19/11/2015

A atual seleção brasileira: O paradigma de um «gigante adormecido»

Por questões demográficas, sociais e culturais, o Brasil sempre foi e ainda será – especulo eu – o maior «viveiro» de jovens talentos de futebol do mundo. Na sequência desse fator, a equipa nacional brasileira está no topo das seleções com mais títulos à escala planetária: penta-campeã mundial (1958, 1962, 1970, 1994 e 2002), 8 vezes campeã da Copa América (1919, 1922, 1949, 1989, 1997, 1999, 2004 e 2007) e vencedora da Taça das Confederações por 4 vezes (1997, 2005, 2009 e 2013). Porém, se retirarmos a Taça das Confederações da FIFA, a competição mais recente e menos importante das supramencionadas, significa que há quase uma década que a principal seleção brasileira não vence uma grande competição internacional.

Para além disso, apesar dos recentes resultados positivos (Argentina 1 x 1 Brasil e Brasil 3 x 0 Peru) a contar para a fase de qualificação do Campeonato Mundial de 2018, a realizar na Rússia, o tom de contestação ao técnico Dunga tem aumentado de intensidade. Alegadamente, os adeptos do «escrete» nutrem a mesma opinião que eu: tendo em consideração os jogadores ao dispor do selecionador, a qualidade de jogo do coletivo é fraca. O ex-craque Ronaldinho chegou mesmo a afirmar que só vê a seleção quem não tem nada de melhor para fazer. Mesmo assim, o apuramento para o Mundial 2018 não deverá ficar comprometido, tal não é quantidade de opções com enorme qualidade individual.

Imagem: Seleção brasileira 2015 (fonte: www.radiorainhadapaz.com.br).

A atual seleção brasileira é, arrisco-me a afirmar, a prova viva de que um conjunto excelente de jogadores não faz necessariamente uma equipa excecional (o todo é mais do que mera soma das partes). A maioria dos jogadores selecionados jogam nas melhores equipas das principais ligas europeias e, por isso, a suposta falta de «cultura tática» é, quanto a mim, uma ideia bastante redutora. Na antevisão do jogo contra o Peru, Daniel Alves colocou, indiretamente, o dedo na ferida: «O plano de jogo desde o primeiro momento é não sermos tão espectadores na partida, porque pode ser que as coisas não fluam (…)».

A fazer zapping na televisão apanhei algumas imagens de um treino do Brasil e, desconhecendo os objetivos da sessão, perguntei-me o que estavam a fazer. Não consegui perceber se o objetivo do jogo reduzido/condicionado era induzir a criação de situações de finalização, melhorar os processos de circulação de bola ou se era mesmo um jogo de casados contra solteiros, mas com jogadores de nível mundial. Não me conformei e procurei essas imagens na internet, mas não fui bem-sucedido. Contudo, encontrei estas:


Aos 01:35 do vídeo, o «central» Dunga abre no lateral direito, este toca novamente no selecionador que oferece a bola ao adversário Felipe Luís. O lateral esquerdo toca no meio em Luiz Gustavo (?) que, com companheiros soltos e estáticos no corredor central, procura mudar o corredor de jogo para Willian, colocando a bola diretamente para fora (!). O que me parece é que o problema não é a qualidade individual, nem tão pouco a «cultura tática» dos jogadores. De acordo com as imagens que tive oportunidade de observar, e ressalvo que isso pode não traduzir o que se passa noutros treinos, o modo como se operacionaliza e gere o processo de aquisição/aperfeiçoamento de princípios que norteiam a organização (intrassetorial, intersetorial e geral) da equipa é que aparenta ser negligenciado. Quando assim é num grupo de jogadores que apenas se reúne esporadicamente, é muito menos provável que «as coisas fluam», como adverte Daniel Alves. Duvido que o jogador do Barcelona (e os outros) não tenha uma ideia do que é necessário para que as coisas possam fluir. Ele próprio admitiu que «a filosofia no Barça é diferente».

Assim, a correta operacionalização do treino dota um conjunto de jogadores de referências/princípios estruturais e funcionais. Esses princípios, quando bem interpretados pelos jogadores, concedem qualidade ofensiva e defensiva ao jogo coletivo. Descurando o processo que reforça as ligações e confere sentido ao «todo», sobra «a mera soma das partes» e a dependência dos génios individuais. Contra uma Alemanha, por exemplo, um «gigante adormecido» pode não ser suficiente para evitar o descalabro.

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