17/02/2013

Futebol no World Press Photo 2013


Football in Guinea-Bissau
 
 
Foto: Daniel Rodrigues (fonte: http://www.worldpressphoto.org)

Daniel Rodrigues é português, desempregado e venceu recentemente o prémio da World Press Photo 2013, na categoria "Vida Quotidiana". De acordo com a descrição, a fotografia foi captada num "campo de futebol" improvisado num terreno que, no tempo colonial, foi ocupado pelo exército português.

Homens, mulheres, crianças e a bola, no meio do pó. Jogar faz parte da nossa condição humana e o potencial formativo de qualquer jogo desportivo coletivo é imenso. Para quem o futebol não passa de "vinte e dois malucos a correr atrás de uma bola", eis uma imagem da paixão que desperta um pouco por todo mundo. É universal. Um subterfúgio da guerra, da fome e da doença. Um meio privilegiado para educar os mais pequenos, para mediar conflitos e aglutinar multidões para as causas mais nobres. Tudo em torno de uma bola. Porque embora não esteja desprovido dos seus podres (violência, doping, adulteração de resultados, etc.), é muito mais aquilo que o futebol unifica do que separa.

15/02/2013

A insustentável leveza do ser

Após largas semanas em cima da mesa-de-cabeceira, terminei a leitura da obra “A insustentável leveza do ser”. Trata-se de um clássico da literatura europeia de Milan Kundera, um checoslovaco exilado político na sequência da invasão comunista dos russos ao seu país, em 1968. Um suposto romance sobre esses tempos de censura e opressão, que mais parece um ensaio filosófico sobre as dicotomias do universo, como especifica Joana Varela no Posfácio, “necessidade e contingência, fidelidade e traição, realidade e sonho, corpo e alma, peso e leveza, uno e múltiplo, força e fraqueza” (p. 362).


Para vossa reflexão, deixo um breve trecho do livro que comprova a inteligência do autor no emprego das palavras, com sentido crítico, ironia e boa dose de humorismo, acerca de uma temática tão controversa e, por vezes, confusa, como é a relação entre as condições humana e divina, entre o Homem e o seu Deus criador:
 
Logo no começo do Génesis, está escrito que Deus criou o homem para que ele reinasse sobre os pássaros, os peixes, e o gado. É claro que o Génesis é obra do homem e não do cavalo. Ninguém pode ter a certeza absoluta que Deus realmente queria que o homem reinasse sobre todas as outras criaturas. O mais provável é que o homem tenha inventado Deus para santificar o seu poder sobre a vaca e o cavalo, poder esse que ele usurpara. Sim, porque, na verdade, o direito de matar um veado ou uma vaca é a única coisa que a humanidade, no seu conjunto, nunca contestou, mesmo durante as guerras mais sangrentas.
 
É um direito que só nos parece natural porque quem está no topo da hierarquia somos nós. Bastava que entrasse mais outro parceiro no jogo, por exemplo um visitante vindo de outro planeta cujo Deus tivesse dito «Tu reinarás sobre as criaturas de todas as outras estrelas», para que toda a evidência do Génesis ficasse logo posta em questão. Talvez depois de um marciano o ter atrelado a uma charrua ou enquanto estivesse a assar no espeto de um habitante da Via Láctea, o homem se lembrasse das costeletas de vitela que costuma comer e apresentasse (tarde demais) as suas desculpas à vaca.
 
Kundera (2005, p. 326)
 
Referência
Kundera, M. (2005). A insustentável leveza do ser (27ª ed.). Lisboa: Publicações Dom Quixote.

10/02/2013

Análise do jogo "in loco" pelo treinador: O caso Toni


O português Toni, desde que emigrou para o Irão para treinar os vice-campeões do Tractor, tem tido uns comportamentos, no mínimo, bizarros. Não sei se é do ambiente que por lá se vive, se a derrota é punida com pena de morte, mas não me lembro de tais descontrolos emocionais em Portugal.
 
Há uns meses perdeu as estribeiras numa conferência de imprensa. Há dois dias atirou-se literalmente para o tartan, no decurso de um jogo em que estava a vencer por 1-0, e na sequência do que aparenta ser uma péssima decisão de um dos seus jogadores (para ver o vídeo, clique aqui).
 
Foto: Toni foi ao tartan num jogo do Tractor. (fonte: www.abola.pt).

Não é por acaso que se costuma referir que a emoção é a inimiga da razão. Qualquer ser humano não está imune a descontrolos emocionais e temos diversos exemplos do português mais conceituado José Mourinho. Contudo, a questão que se coloca é: não será a vivência dos jogos, com os “nervos à flor da pele”, um fator negativo para a observação, a análise e a resposta do treinador em pleno jogo?
 
Quem assume ou já se assumiu as funções de treinador em situação de competição sabe que é bem possível que isso seja prejudicial para os seus próprios julgamentos, tomadas de decisão e feedbacks. Do mesmo modo que o treinador, no pós-jogo imediato, esquece inúmeros acontecimentos relevantes que ocorrem numa partida, também há muitos detalhes que passam impercetíveis quando se deixa governar pela emoção. Naturalmente, a informação disponível para formular decisões não é tão precisa, o que condiciona negativamente a resposta, seja de que índole for (feedback, substituição de jogadores, alteração estratégico-tática, etc.).
 
Daí que seja conveniente ter sempre por perto e comunicar com um ou mais elementos (normalmente, treinadores adjuntos) capazes de efetuar uma análise do jogo “in loco” assente na razão e, portanto, estando libertos da parcialidade e do foco de distração que é o funcionamento exacerbado dos centros emocionais. O alto rendimento assim o exige e, mesmo perante a existência de planos de jogo em que sejam equacionados e previstos determinados episódios no desafio, o treinador terá, em última instância, de selecionar aquela que pensa ser a melhor resposta para concretizar os objetivos da equipa.
 
Atirar-se para o chão, vociferar impropérios, gesticular desalmadamente e rogar pragas aos sete ventos não é solução.

Calma, Toni!

10/01/2013

A jogada do momento... protagonizada por miúdos

Circula pela internet um vídeo de uns miúdos gregos a marcarem um golo, após uma sequência de 20 passes consecutivos. Por esta altura, não deve ser novidade para ninguém. As imagens são estas:
 


Numa breve pesquisa consegui perceber que se trata da equipa de Infantis (Sub-13) do AO Giannina; no jogo em causa, venceu a formação congénere do Atromitos por 6-1. Trabalho com miúdos do escalão Sub-13 há sete épocas e posso assegurar que não é nada comum assistir a um processo ofensivo tão bem construído e finalizado, coletivamente, nestas idades. Além disso, por não se tratar de uma equipa pertencente a uma academia de futebol de um clube de elite, mais motivos temos para aplaudir e atribuir o mérito a quem de direito: a estes jovens jogadores e à sua equipa técnica.
 
Se não estou em erro a sequência ofensiva envolve todos os jogadores da equipa (o onze), 20 passes e 48 toques sobre a bola. A qualidade dos miúdos está patente no modo como recebem a bola, quase sempre orientando-a convenientemente para executar a ação seguinte (salvo um par de dribles e o remate, essencialmente, o passe). Nota-se uma cultura tática assinalável para o escalão etário. O cumprimento dos princípios específicos, bem como alguns gerais, é bastante evidente. Por exemplo, após o passe os jovens jogadores não descuram a cobertura ofensiva, o apoio ou a mobilidade, oferecendo, invariavelmente, solução ao portador da bola.
 
O princípio espaço é muito bem concretizado pelo lateral esquerdo aos 00:20 do vídeo; o rapaz abre uma linha de passe para o seu guarda-redes, posicionando-se praticamente em cima da linha de fundo. Quantos praticantes federados de futebol, com 12-13 anos, fazem isto? Eu não arriscaria uma percentagem muito elevada. A saída de uma zona de pressão no corredor direito ao primeiro toque é um regalo (a partir dos 00:34), havendo logo a preocupação de mudar o lado do centro do jogo. Parece simples. Quantos miúdos deste escalão sairiam daquele enredo de jogadores ao primeiro toque?
 
Há quem relativize a jogada. Há quem faça uma analogia com a equipa principal do Barcelona FC. Depois, há ainda quem aplauda e reveja a sequência ofensiva vezes sem conta. Não é um golaço do meio-campo, ou uma bicicleta do Ibrahimovic sem preparação. É “apenas” uma grande jogada coletiva protagonizada por uma equipa infantil, de um clube grego perfeitamente desconhecido à escala internacional.
 
Só por isso, aqui fica o meu voto de louvor. Magnífico!

01/01/2013

Quando perder pode ter as suas vantagens…

Em qualquer desporto – seja ele individual, coletivo, de oposição, motorizado, etc. – ninguém gosta de perder. Nenhum atleta, técnico ou dirigente cumpre as suas funções para que a sua equipa perca em contexto competitivo. Então quando se trata de alta competição, a derrota pode ter repercussões profundas no seio de um grupo, na relação atleta-treinador e, inclusivamente, propiciar o afastamento de determinados elementos (atletas, técnicos e dirigentes) de um clube ou de uma equipa. Treina-se, compete-se para ganhar.
 
Após o mais recente desaire do Real Madrid com o Málaga, José Mourinho referiu que “faz bem perder para sabermos o que os outros sofrem”. O que se depreende das palavras do treinador português é que mesmo perante situações adversas é possível vivenciar experiências ou retirar lições que podem ser benéficas para o futuro. Estando a derrota associada ao sofrimento, Mourinho deixou uma indireta ao seu grupo e, quiçá, de forma mais específica, a alguns dos seus jogadores.
 
Foto: José Mourinho (fonte: jornaldigital.com).
 
Contudo, até para o treinador perder pode trazer as suas vantagens. Tenho para mim que é no rescaldo da derrota que o próprio trabalho, isto é, as metodologias de treino, o(s) modelo(s) de jogo e a relação e a interação com os jogadores são postos em causa. Tal não acontece quando se vence. Talvez seja consequência de alguma sobranceria, mas na vitória pouco ou nada é colocado em causa. Vencer é sinónimo de “tudo bem”. E é neste sentido que a derrota constitui um melhor estímulo para a evolução e para o crescimento do sujeito. Acredito que Mourinho e a sua equipa técnica estejam, de momento, numa fase mais vincada de introspeção, de crescimento, de evolução e de superação. Admitindo que possam não augurar benefícios de curto prazo no Real Madrid, decerto que irão recolher frutos noutras ocasiões vindouras.
 
O modo como se reflete e utiliza a informação no sentido desejado é que determina a capacidade de sairmos de uma fase negativa ou menos boa. Afinal de contas, tudo tem o seu lado positivo.