21/08/2016

Os jogos olímpicos do Rio de Janeiro 2016: O absurdismo e a realidade portuguesa

Meus caros, compatriotas portugueses ou não, mais críticos ou menos críticos, mais absurdos ou menos absurdos, permitam-me que quebre a norma vigente e saúde os nossos atletas pela prestação nos jogos olímpicos do Rio de Janeiro 2016, cujos resultados mais relevantes podem ser encontrados na tabela 1. Muitos, senão mesmo a maioria, não concordarão, mas eu saúdo, felicito e incentivo aqueles que foram para o Brasil não para «passar férias», como alguns ainda fazem ressoar nos nossos tímpanos, mas para representar uma nação que não faz a mínima ideia do que é ser um atleta de alta competição num país sem cultura de alto rendimento. Não é difícil, é horrível.

Tabela 1. Resultados mais relevantes (medalhas e diplomas olímpicos) dos atletas portugueses nos jogos olímpicos do Rio de Janeiro de 2016 (clique para ampliar).

Não sou nem nunca fui atleta de alto rendimento, mas desde jovem que estou ligado ao desporto nacional, como praticante de uma modalidade coletiva e outra de combate, como treinador desportivo e como professor de Educação Física (EF). De entre algumas coisas que entendo sobre este fenómeno do desporto, é que ele reflete o estado do país e o nosso – convenhamos – não está propriamente em grande forma. Neste último ciclo olímpico, relembremo-nos dos cortes na saúde, na educação, nos salários e, como é óbvio, nos parcos apoios concedidos aos nossos olímpicos. O adjetivo «parcos» não é ingénuo, pois os absurdos que exigem medalhas aos nossos atletas decerto que desconhecerão os apoios facultados em países como EUA, Inglaterra, Alemanha, Canadá, China, Japão, Austrália, etc. Decerto que, também, não conhecem a forma como está organizado o desporto nesses países e a importância que é atribuída à escola, ao desporto escolar e, em particular, à EF na formação de um atleta de elite. O problema, longe de ser a atitude ou a competência dos nossos atletas, é muito mais sério: é estrutural. Uma ou duas horas de expressão físico-motora no ensino pré-escolar; a EF continua a ser o parente pobre da nossa escola pública (ensinos básico e secundário); o desporto escolar pouco ou nada serve as necessidades de movimento/competição de crianças/jovens não federados e a diversidade desportiva em Portugal; a ponte entre o desporto escolar e o desporto federado depende da boa vontade e/ou interesse dos professores responsáveis pelos grupos-equipa; o desporto universitário é pobre e, na generalidade, sustentado pela carolice dos estudantes do ensino superior; apesar de inúmeras e boas investigações produzidas e publicadas na área das Ciências do Desporto, os meios ao dispor dos nossos investigadores são precários comparativamente aos existentes nos países supracitados; os nossos media não «vendem» modalidades que não seja o futebol.

Portanto, às 8h e muito da manhã, quando os senhores de camisa e gravata se preparam para chegar aos seus escritórios para escreverem barbaridades sobre os atletas olímpicos portugueses, recordem-se que muitos deles já realizaram o primeiro treino do dia e já se encontram a estudar ou a trabalhar. Às 19h, quando os senhores estiverem a apreciar o conforto do sofá e da lareira nos seus lares, estão tipos num kayak ou numa bicicleta a treinar debaixo de chuva ou com temperaturas gélidas, por vezes com material adquirido com dinheiro do seu próprio bolso. Parece-me, por isso, razoável antever que quando todos os portugueses, bons ou maus, mais ou menos críticos, mais ou menos absurdos, apresentarem a mesma motivação, resiliência e determinação para se superarem e representarem Portugal, então talvez tenhamos um país ainda melhor, mais competitivo internacionalmente, mais feliz e sem a necessidade mesquinha e absurda de medalhas em jogos olímpicos.

Figura 1. As lágrimas de Emanuel Silva na final de K2 1000m (fonte: www.lux.iol.pt).

De resto, a avaliar pelo número de medalhas e diplomas (11 no total), esta até foi uma das participações mais bem conseguidas do desporto português em olimpíadas. Aos nossos atletas, as vossas conquistas são a minha alegria, as vossas lágrimas a minha tristeza. Um obrigado muito especial a todos vós!

01/08/2016

International Journal of Performance Analysis in Sport (Vol. 16/2016) | Os penáltis nas competições de clubes da UEFA (2010-2015): Os papeis dos fatores situacionais, individuais e de performance

Ao contrário de muitos fãs de futebol, as grandes penalidades sempre me fascinaram. A complexidade do jogo é, momentaneamente, reduzida a um confronto direto entre dois representantes de cada equipa: o marcador da grande penalidade e o guarda-redes (GR). O dia de hoje assinala a publicação do número 2 do volume 16 da revista científica britânica International Journal of Performance Analysis in Sport. Com este novo número, surge mais um contributo do SpertLab da Faculdade de Motricidade Humana, Universidade de Lisboa (figura 1).

Figura 1. Cabeçalho, título e autores do artigo.

O propósito do estudo foi realizar uma análise exploratória dos presumíveis fatores que influenciam o resultado final da grande penalidade (i.e., golo, defendida pelo GR ou falhada), em cinco épocas consecutivas das competições UEFA Champions League e Europa League (2010/2011-2014/2015). Numa amostra de 536 grandes penalidades, investigámos os efeitos de três tipos de fatores sobre o resultado da grande penalidade (variável dependente): contextuais/situacionais, individuais e de performance. Em traços muito gerais, a figura 2 exibe a distribuição das grandes penalidades pelas 8 zonas da baliza definidas para observação.

Figura 2. Distribuição das grandes penalidades pelas 8 zonas da baliza.

Como seria expectável, as variáveis de performance foram as mais determinantes para o produto final da grande penalidade, designadamente, as direções horizontal e vertical do remate e a ação do GR. A probabilidade do GR defender o penálti aumentou significativamente quando (1) o remate foi direcionado para as zonas baixas da baliza, em particular para a zona 2 (centro-esquerda) e (2) o GR se moveu para o lado correto da bola. Por seu turno, o risco de falhar a baliza aumentou consideravelmente quando a bola foi batida para as zonas superiores da baliza. Ainda assim, o risco de falhar a baliza foi menor comparativamente ao risco de o remate ser defendido pelo GR nas zonas inferiores. Além disso, o período do jogo influenciou significativamente o resultado da grande penalidade. No segundo terço da partida (30:01 – 60:00), os GR defenderam mais grandes penalidades. Os outros fatores contextuais e individuais não produziram efeitos significativos na variável dependente. Para informações mais detalhadas sobre este trabalho, recomendo a leitura integral do artigo.

Abstract
This study aimed to investigate main and interaction effects of situational (competition phase, match location, match status and match period), individual (penalty taker’s footedness, playing position, and age difference to the goalkeeper), and performance factors (shot direction and goalkeeper’s action) on penalty kick outcome in UEFA Champions and Europa leagues. Data were collected from soccer Internet sites and TV broadcasts during five consecutive seasons (from 2010-2011 to 2014-2015). A total of 536 penalties were recorded and analysed considering the aforementioned three groups of variables and the respective penalty outcome (goal, saved or missed). Multinomial logistic regression analysis was used to assess the effects of factors on penalty outcome. The logistic regression model revealed the probabilities of penalty kicks being saved significantly increased (1) in the middle of matches (30:01–60:00) and (2) when the shots were directed to lower zones of the goal, in particular to the lower centre-left zone of the goal (penalty taker’s perspective). Besides, the odds of missing the penalty substantially increased when the shot aimed the high zones of the goal. Based on the current findings, penalty takers should be encouraged to direct the shot to the upper corners of the goal and goalkeepers should wait longer in order to dive to the correct side of the ball. Although performance factors were the most decisive for determining the penalty outcome, situational factors such as match period may also influence the success of penalty kicks.

Key words: soccer, notational analysis, performance, situational variables, logistic regression.

Reference
Almeida, C. H., Volossovitch, A., & Duarte, R. Penalty kick outcomes in UEFA club competitions (2010-2015): The roles of situational, individual and performance factors. International Journal of Performance Analysis in Sport, 16(2), 508-522. (link)

24/07/2016

O Drible (2015)

«O Drible» é um romance do crítico literário e jornalista brasileiro Sérgio Rodrigues. Vencedor do Grande Prémio Portugal Telecom de Literatura, o livro faz do futebol personagem, poesia, numa metáfora para a vida.

Figura 1. Capa do romance «O Drible» de Sérgio Rodrigues.

A analogia do livro é a que mais se assemelha ao propósito deste blogue: o desporto não é somente desporto, é uma forma de viver, de reviver e de educar para a vida. Tanto assim é que Neto, o filho do personagem principal Murilo, foi forçosamente colocado no América para aprender a jogar futebol na sua infância. Porém, o garoto pouco ou nenhum jeito tinha para a bola:

Seu dente de leite era uma prova de que essas coisas levam tempo, e no meio daqueles meninos fortes, habilidosos, decididos, Neto fazia um papel ridículo de matadas na canela e tombos ao menor tranco. Como sempre ocorre em casos assim, por razões pouco esclarecidas, foi parar na lateral esquerda. Lugar de pereba é na lateral esquerda.
(p. 32-33)

O autor mete o dedo na ferida e escarafuncha um dos maiores problemas do futebol de formação na atualidade. Quase sempre, os miúdos não são aquilo que os pais pensam ou querem que eles sejam:

Mesmo assim, mais forte do que a mágoa com Murilo e do que o rancor com os companheiros que o desprezavam, o que Neto guardou do episódio foi a vergonha de ter sido um menino que não só se submetia à humilhação de fingir ser o que não era, abafando o choro no travesseiro toda noite, como no fim ainda queria mais. Você consegue, Neto! Vai fundo que você consegue!
(p. 34)

Os traumas de infância condicionam o resto da vida. A repressão, a frustração e a tristeza levam o ser humano a comportamentos deploráveis e a erros incapazes de serem emendados. Neto foi uma vítima da infância.

Mastigando sem apetite a galinha ao molho pardo de Conceição, ponderou que acabava de receber a sua primeira lição de vida adulta. Lição dura o bastante para tingir de ironia o domingo de sol hipócrita que jorrava para dentro da cozinha, fingindo que nada tinha mudado: alma não se lava no chuveiro.
(p. 55)

No meio da trama, o futebol brasileiro é personagem. Não apenas no início do livro, quando se conta que Pelé desafiou Deus ao tentar fazer um golo impossível, mas perdeu o confronto ao falhar o golo. Interessa perceber que há, pelo menos, um sujeito brasileiro que tem uma ideia cristalina do futebol do seu país:

Foi assim que o futebol brasileiro virou o que é: em grande parte por causa do esforço sobre-humano que os jogadores tiveram que fazer para ficar à altura das mentiras que os radialistas contavam.
(p. 72)

Depois Murilo, o famoso cronista de futebol, explica de forma sublime porque o futebol é o desporto que todos os outros gostariam de ser:

O futebol é cheio de planícies imensas, horas mortas como a que nós acabámos de ver. Um bololô de ruído, intenções que não se concretizam, acidentes, lances de sorte e azar. Nas horas mortas pode acontecer tudo. Tudo mesmo, não é força de expressão. E quando acontece é de repente, um raio que cai e muda a paisagem por completo. (…) Porque sem a interrogação do futuro o futebol e a vida são uma pobreza de bocha.
(p. 94)

A história do menino Peralvo Rolinha, que poderia ter sido melhor que Pelé, permite-nos chegar ao clímax do enredo. Um final surpreendente que vos aconselho a descobrir, sem contudo deixar de terminar com as palavras sábias do autor Sérgio Rodrigues:

Acontece que o futebol pode espelhar a vida, mas a recíproca, por razões que ignoramos, não é verdadeira. Há entre os dois uma assimetria, um descompasso no qual não me surpreenderia que coubesse toda a tragédia da existência.

(p. 229)

11/07/2016

EURO 2016: Portugal campeão europeu e as chapadas de luva branca

Aos 10 dias do mês de julho de 2016, a seleção portuguesa sagrou-se campeã europeia, pela primeira vez na sua história, ao vencer a França no Stade de France – Saint-Denis, na final do Campeonato da Europa de 2016 (figura 1).

Figura 1. Portugal, vencedor do EURO 2016 (fonte: pt.euronews.com).

É histórico e a história desta conquista dos nossos «heróis do mar» é bonita de tão inesperada. Ao contrário do EURO 2004, em Portugal, no qual a nossa seleção praticava um futebol vistoso, aproveitando parte da equipa de um FC Porto vencedor da Champions League e com um plantel de luxo, esta fase de grupos mostrou-nos uma equipa com… falta de recursos, pouco ambiciosa e condicionada por um senhor chamado Cristiano Ronaldo: três vezes bola de ouro da FIFA. Sim, condicionada, porque muitas vezes o portador da bola tinha inúmeras opções de passe, mas a bola seguia sempre para o mesmo destinatário – Cristiano Ronaldo – mesmo quando essa não era a melhor decisão a tomar. E quando a bola não chegava ao capitão, ele barafustava de impaciência. À partida, os jogadores estavam condicionados pelo melhor do mundo. Fernando Santos adaptou a equipa à incapacidade de Ronaldo fechar defensivamente numa ala, com um 1-4-4-2 com dinâmicas, por vezes, confusas e eu referi a várias pessoas de boca cheia: «enquanto Portugal tiver Ronaldo na equipa, por muito bom que ele seja (e é), nunca iremos ganhar uma competição internacional». Disse-o e, agora, não tenho medo de o reassumir. Aliás, também referi que o Éder não era jogador para ser convocado para este europeu e o «patinho feio» resolveu a competição a nosso favor (figura 2). Por esta altura, já contabilizo duas chapadas de luva branca.

Figura 2. O «patinho feio» da seleção foi decisivo: Éder (fonte: abola.pt).

Depois, veio a fase a eliminar e o jogo com a Croácia mostrou-nos dois aspetos muito importantes: (1) um selecionador Fernando Santos realista, pragmático e, ao contrário do comum dos adeptos portugueses, ciente das limitações da equipa e dos pontos fortes das seleções adversárias; (2) um grupo unido, coeso, repleto de personalidade, atitude e comprometido com as palavras do seu líder Fernando Santos: «apenas iremos voltar a casa no dia 11 de julho de 2016» (hoje). Desde então, vimos Fernando Santos a corrigir aspetos menos conseguidos na fase anterior, uma equipa forte em organização defensiva e a primar pelo equilíbrio em todos os momentos de jogo, um capitão Cristiano Ronaldo a ser decisivo, um Pepe absolutamente fantástico na linha defensiva, um Rui Patrício brilhante na final, entre muitos outros elogios que poderia fazer a todos os outros jogadores.

Porém, a maior chapada de luva branca foi a do engenheiro Fernando Santos (figura 3). 

Figura 3. Fernando Santos: o engenheiro do EURO 2016 (fonte: rr.sapo.pt).

Dou a mão à palmatória e friso que soube interpretar muito bem o contexto da competição e, em termos estratégico-táticos, preparar a equipa para ultrapassar as diversas eliminatórias e vencer a final. Portugal não jogou da mesma forma contra a Croácia e contra a França; também não jogou do mesmo modo contra a Polónia e contra o País de Gales. Houve particularidades estratégico-táticas que foram trabalhadas e implementadas e isso foi obra do mister Fernando Santos e da sua equipa técnica. Por exemplo, ao ceder a iniciativa de jogo ao País de Gales, defendendo num bloco médio, Portugal salvaguardou-se das transições ofensivas adversárias, com Gareth Bale na frente sempre pronto para explorar o espaço atrás da nossa linha defensiva. Contra a França, Portugal tentou sempre controlar o ritmo de jogo com saída de bola curta pelo guarda-redes, algo que não se verificou nos jogos anteriores.

Em suma, não assistimos a um futebol de posse, rendilhado, de encher o olho, mas vimos Portugal ser realista e eficaz. A seleção jogou o suficiente para ser bem-sucedida quando outrora com Eusébio, Coluna, Bento, Chalana, Humberto Coelho, Manuel Fernandes, Fernando Gomes, Figo, Rui Costa, João Vieira Pinto, etc., nunca fora. E esta página do futebol português é sublime porque nos coloca no topo da Europa e nas bocas do mundo. Daqui a uns anos, lembremo-nos que uma equipa em que poucos acreditavam fez por merecer e foi feliz. Enfim, com 33 anos vi a seleção principal de futebol de Portugal conquistar uma grande competição internacional. Muitos outros viveram uma vida inteira sem nunca ter tido esse privilégio.

O meu orgulho está com este grupo: jogadores, equipa técnica e restante comitiva. Hoje, o meu orgulho é do tamanho da nossa pátria: viva Portugal!

09/06/2016

All-Time Euro 11 (by UEFA)

Figura 1. O melhor 11 de sempre a atuar em campeonatos europeus (fonte: uefa.com).

Goste-se ou não, os 11 jogadores da Figura 1 foram eleitos para a melhor equipa de sempre a atuar em campeonatos europeus de seleções. A votação decorreu no sítio oficial da UEFA (uefa.com) e, na minha ideia, não estaria um 11 muito diferente deste.

Que maravilhas fariam estes senhores se efetivamente tivessem jogado todos juntos na mesma equipa?