18/01/2019

Futebol profissional em Portugal: a antítese da competitividade

Um relatório elaborado pelo CIES Football Observatory (Poli, Besson, & Ravenel, 2018) revelou que, de entre 35 ligas domésticas europeias, a Primeira Liga portuguesa (Liga NOS) foi a que apresentou menor tempo útil de jogo (51.5%) na época 2017/2018, um valor abaixo da média (55.6%), num conjunto liderado pela principal liga sueca (59.6%) (tabela 1).

Tabela 1. Percentagem do tempo útil de jogo por liga europeia (fonte: CIES Football Observatory).

Por si só, estes são dados bastante preocupantes, não abonando nada a favor do entusiasmo e da atratividade do nosso futebol. Desde logo, sugerem que os jogos estão sujeitos a muitas (e longas) paragens (faltas, antijogo, etc.), sem a fluidez desejada pelos amantes da modalidade enquanto fenómeno desportivo. Em bom português, evidencia uma liga aborrecida, conducente a afastar não apenas os adeptos dos estádios do país – o que já acontece –, mas também potenciais “consumidores” do futebol português à distância, via televisão ou internet.

Mais graves, porém, parecem ser as evidências apresentadas pelo estudo de da Silva, Abad, Macedo, Fortes e do Nascimento (2018). Estes investigadores brasileiros compararam o equilíbrio competitivo da principal liga brasileira com as ligas da Alemanha, Espanha, França, Inglaterra, Itália e Portugal, analisando um período temporal de 13 épocas consecutivas (2003/2004 – 2015/2016). Com base na equação subjacente ao “Índice C4 de Equilíbrio Competitivo” (C4 Index of Competitive Balance), que mede a desigualdade entre os 4 primeiros classificados da tabela final de cada época e as restantes equipas, mostraram que a liga portuguesa foi a que obteve um índice superior (mediana = 155), ou seja, cuja desigualdade foi a mais elevada da amostra (valores mais baixos, a tender para os 100, refletem maior equilíbrio competitivo). As diferenças obtiveram significado estatístico quando comparada com as ligas do Brasil, França e Alemanha (figura 1).

Figura 1. Equilíbrio competitivo nas principais ligas dos 7 países analisados (da Silva et al., 2018).
Nota: valores mais elevados refletem maior desequilíbrio competitivo.

A tendência temporal verificada pelos investigadores para a liga portuguesa demonstra que o desequilíbrio competitivo (ou a desigualdade entre os 4 primeiros classificados e as restantes equipas) tem vindo a aumentar significativamente ao longo do tempo, como podemos comprovar pela reta de regressão que consta na figura 2.

Figura 2. Modelo de regressão subjacente à evolução do equilíbrio competitivo na liga portuguesa (da Silva et al., 2018).

Na minha perspetiva, creio que o problema resume questões do foro cultural e organizacional. Cultural, porque a “clubite aguda” existente em Portugal, que retrata uma clara preferência exacerbada por um dos ditos “três grandes” em detrimento do clube da terra ou da região, como acontece em países como Espanha ou Inglaterra, centraliza o interesse da maioria dos adeptos nos clubes já fortes, tornando-os ainda mais dominadores. No âmbito organizacional, assiste-se a uma evidente monopolização das decisões tomadas pelos “clubes grandes” em prol das suas próprias agendas. Benefício traz benefício, lucro gera lucro e a bola de neve continua a rolar.

Ao cabo da primeira volta da liga portuguesa na presente época de 2018/2019, o 4.º classificado – Sporting CP – leva 7 pontos de vantagem para o 5.º classificado (Belenenses SAD). Mais, os pontos conquistados por FC Porto, SL Benfica, SC Braga e Sporting CP representam 36% do total de pontos acumulados pelas 16 equipas. Estas mesmas 4 equipas vão disputar a final four da Taça de Liga e as meias-finais da Taça de Portugal, o que nos elucida acerca da (fraca) competitividade do nosso futebol profissional.

Por isso, são urgentes medidas para equilibrar a balança da competitividade e dotar os “clubes pequenos” de mais e melhores condições e recursos para fazer crescer o produto “futebol made in Portugal”. Talvez não seja demais relembrar o modo como foram redistribuídos os direitos televisivos do futebol em Inglaterra que, conjuntamente com outras medidas estruturais de fundo, determinaram um decréscimo ligeiro (e progressivo) do desequilíbrio competitivo na FA Premier League, conforme consta na figura 3.

Figura 3. Modelo de regressão subjacente à evolução do equilíbrio competitivo na liga inglesa (da Silva et al., 2018).

A realidade está à vista de todos e dispensa os dados acima referidos para ser minimamente compreendida. A consequência mais óbvia é o reduzido número de espetadores na maioria dos jogos da Liga NOS. O paradigma vigente impõe a necessidade de reformular procedimentos, afinar estratégias e repensar a estrutura do futebol português para que a competitividade, o jogo e os seus principais intervenientes saiam valorizados. A dúvida que subsiste é se necessidade de tal ordem não coloca em causa as pretensões e a visão dos detentores da hegemonia que perdura há largas décadas.

Referências
Poli, R., Besson, R., & Ravenel, L. (2018). Football analytics: the CIES Football Observatory 2017/18 season. Retrieved from http://www.football-observatory.com/IMG/pdf/cies_football_analytics_2018.pdf
Da Silva, C. D., Abad, C. C. C., Macedo, P. A. P., Fortes, G. O. I., & do Nascimento, W. W. G. (2018). Equilíbrio competitivo no futebol: um estudo comparativo entre Brasil e as principais ligas europeias. Journal of Physical Education, 29, e2945. doi: 0.4025/jphyseduc.v29i1.2945

25/12/2018

Uma Coruja nas Ruínas (2018)

“Uma coruja nas ruínas” é a segunda obra do meu amigo de infância – digo-o de boca cheia – Eduardo Jorge Duarte, publicada sob a chancela da editora On y va (figura 1). Trata-se de uma coletânea de contos do autor, nem todos inéditos, cujas diferentes personagens se interligam entre si pela “memória” e pela “solidão”. Os onze contos estão sujeitos a interpretações diversas, nem sempre análogas, que se modelam à subjetividade de cada leitor. É exatamente na perspetiva atenta de leitor que tomei nota de algumas das palavras eloquentes do Eduardo sob a forma de narrador ou personagem. Longe de pretender desvendar o que quer que seja dos múltiplos enredos do livro, tento chamar a atenção para uma série de reflexões que, se cuidadas ou devidamente respeitadas, nos conduzem inapelavelmente a um mundo melhor. O Edu é pródigo nisso: identifica as lacunas existenciais da nossa espécie e educa-nos com a mestria das entrelinhas para sermos uma sociedade mais justa, mais solidária e feliz.

Figura 1. Capa de "Uma coruja nas ruínas" (2018), de Eduardo J. Duarte.

Velho continente
Um conto que associo sempre ao single “Run” dos Foo Fighters: “wake up… run for your life with me”. A solidão dos mais velhos é abordada de forma clara, remetendo-nos para “uma maratona de sentimentos”. Enquanto para uma minoria a vida consome o tempo, para o grosso dos nossos idosos o tempo consome a vida.

Aqui, ou aguardamos tranquilos a nossa vez de morrer sem pensar em nada, ou reza-se para matar o tempo, antes que o resto do tempo que nos sobra nos mate a nós. (p. 26)

A realidade dos lares é mesmo assim. Os resistentes, no entanto, engendram planos para que a vida lhes dê mais liberdade e/ou amor. É uma questão de escolhas assentes em possibilidades de ação.

Acromegalia
A questão da consanguinidade e dos problemas complexos que tal acarreta estão bem expressos neste conto. A diferença é a sede da discriminação, do desrespeito e da exclusão. O interessante é que a diferença funde-se na dimensão temporal da trama.

Os horários são armários de prateleiras abertas onde guardamos o tempo. (p. 26)

Por vezes, as rotinas a que muitos aludem tão bem fazer ao organismo humano traem-nos os sentidos, as emoções e culminam em tragédia, em tristeza ou o que lhe queiram chamar.

Senhor Nicolau

Os tempos eram selvagens. De descontentamento generalizado, de fraturas expostas nos ossos da ética e da moral. Tinha desaparecido por completo a capacidade de discernimento entre o bem e o mal. (p. 51)

O vilão do enredo, um tal “dono disto tudo”, “exibia-se pelas redes sociais como um pavão em pose num jardim público”. (p. 52). O autor acredita que há nas crianças uma força libertadora das garras da opressão, desde que o respetivo mentor seja alguém que incuta os valores certos nas mentes (ainda) não corrompidas dos mais jovens.

A cegueira maior é não saber olhar para dentro. (p. 60)

Neandertal

O tempo livre é um salto sem fundo para o ócio. (…) Ando à cavalgadura das tentações. (…) Eu preciso de livros. (p. 69)

O aspeto do homem por detrás de um vício remete-nos para uma existência primitiva do ser humano. Como se um vício, ou outro que o substitui, de sequelas menos nefastas e mais cultas, pudesse conceder uma resposta cabal ao cumprimento de funções básicas de sobrevivência. No julgamento íntimo de cada um, o vício é sempre um bem de caráter irrevogável.

Estricnina
Este conto explora de modo retrospetivo e sublime a intimidade familiar do autor. Nele, o Eduardo pretendeu “dar voz a um homem simples que apenas a teve no silêncio”, o seu tio. Quiçá revoltado com um comportamento mais atrevido, típico da infância e fortemente reprimido pelo seu irmão, deixa-nos um par de constatações que poderiam perfeitamente figurar num dos diversos portais de citações de gente ilustre:

Porque somos sempre muito rápidos a julgar e a catalogar e tão demorados a trocar de pele com os outros. (p. 76)

É engraçado, de alguma forma o passado acaba sempre por vir ter connosco e fazer um acerto de contas, seja por uma janela, por um carro que passa ou pela rajada de memórias disparadas no instante em que premimos o gatilho a uma canção. (p. 87)

Um medo sem nome
Ainda jovens gabávamo-nos de ouvir “música interventiva”. Sucintamente, tratava-se de canções através das quais as bandas (geralmente de rock ou metal) denunciavam e criticavam problemas graves de âmbito social. Este será, porventura, um texto de carga interventiva sobre um dos grandes flagelos na sociedade moderna. A minha mãe sempre me disse que, quando as coisas mudam na vida de um casal, raramente é para melhor; o conto do Edu corrobora-o na íntegra, aludindo a “um segredo guardado num cofre de vergonha”.

O amor comprado avulso traz consigo uma certa maquia de tragédia:

A partir de então, o tempo parado. O avançar da velhice apenas trouxe à pele as marcas usadas da dor e do desgosto. (p. 91)

Osvaldo Se
 O “se”. Hipotético. O jogo de identidade do personagem principal intitulado “auto-ficção do eu”. Maradona e a mão de Deus no Mundial de 1986 são parte integrante do conto. Pelo meio, esbocei um sorriso completamente cúmplice:

Virei-me. Reparei nas riscas azuis apertadas entre camadas brancas que desfilavam pela parede: a bandeira da Argentina. Do outro lado, surgia desenhada pelo dedos do Sol a figura escanzelada do Feliciano, um poeta desempregado que procura manter-se vivo entre os despojos do esqueleto. (p. 95)

Não tenho o prazer de (re)conhecer o cientista Osvaldo Se, mas tenho a honra de privar com o homem que projeta a sua existência no poeta Feliciano. Estocadas como a seguinte, por vezes de nos deixar boquiabertos, acontecem diversas vezes no mês, com exceção dos dias 21, 22 e 23 que são ocupados a diluir o único subsídio que recebe em vinho num dos estabelecimentos comerciais mais antigos da vila:

A sombra de Deus é diferente. É a sombra de uma árvore, é a sombra desse mural à sua frente, está lá quando a alma precisa de um lugar fresco para descansar. (p. 96)

Uma coruja nas ruínas
O conto que dá o título ao livro tinha de ser especial, e é! Segundo confessou o editor do livro, o também escritor monchiquense António Manuel Venda, na primeira sessão do recém-criado Clube de Leitura de Monchique, este texto assume quase contornos de novela.

Como todos os seres humanos começam a existir desde a infância, todas as melodias emergem do silêncio. Não há Homem sem silêncio. Não há música sem uma criança a cantar nos sentimentos. (p. 100)

Como devem calcular, não irei dar grandes pistas sobre o enredo. Há um “eu” principal que vive a história; há um “eu” que acompanha de perto a história e escreve sem, contudo, estar por dentro do “eu” principal; e, por fim, há um “eu” (eu mesmo) que a leio e interpreto – à minha maneira – o “xeque-mate” final.

Uma folha em branco ninguém vê, é como os pensamentos, são invisíveis, mas se a gente os derrama para o papel, então, sim, aí temos as fundações de uma escola. (p. 122)

O Lisboa gosta de xadrez, sofre de stress pós traumático ou, pelo menos, é o que dizem na vila, é a coruja nas ruínas. Como qualquer (boa) personagem do Eduardo, real ou fictícia, dos seus pensamentos germinam lições de vida como esta:

Um dia, afirmei que os sonhos são jardins que florescem na cabeça, e comecei a rir, o que de certa forma não deixa de ser por si mesmo uma definição de sonho, uma gargalhada contra a morte. (p. 134)

Extraordinário!

Wall Street
A vida de Diamantino Serpa, antigo bancário, é devolvida pelo milagre do conto. A reforma trouxe consigo o sentido de liberdade.

Sem saber bem o que fazer às gravatas usadas, mas sem querer esquecer completamente a asfixia do tempo que as recordações dos dias nublados de bancário lhe traziam, pendurou as inúmeras tiras de pano que durante anos enlaçara ao pescoço, junto à ruína terraplanada de um antigo colégio, no outro lado da rua. (p. 139)

É engraçado como identifico logo a localização da efabulação, é praticamente no quintal da minha casa. Além disso, a forma como o autor parte de cenários reais (p. ex., o estendal de gravatas) para criar a história que lemos deve ser enaltecida por qualquer leitor, inclusive por aqueles que, como eu, são menos dados à crítica literária. Mas enfim, sou suspeito para escrever sobre isso.

Diamantino adquirira o gosto de contemplar a linha do horizonte na praia, “porque num horizonte cabe tudo, o futuro, o infinito e a eternidade juntos e a Humanidade toda lá dentro, em liberdade” (p. 140). Nenhuma vida deveria ficar inacabada e, por isso, a mudança de rumo, de rotinas, de Diamantino consubstancia-se num intento nobre:

Que é nesse ponto específico em que duas pessoas se cruzam, nesse abraço perfazendo um X, que se encontra o amor, o mapa que diz o caminho para um tesouro capaz de erradicar o flagelo que afeta aquele um por cento da população mundial detentora das maiores fortunas: a pobreza de espírito. (p. 140)

O todo, o sentido, o melhor do texto, terão de ler. Lamento!

O amor no vidrão
Quinze anos passaram.

E tu, dobrado sobre as tuas memórias, levemente encostado ao vidrão, concluis, enquanto atas os atacadores: estás parado exatamente no mesmo ponto em que estavas naquela adolescência. (p. 144)

Com um jeito próprio de descrição, o narrador faz uma retrospetiva de paixões passadas, como “vulcões” diz, em que a seguir à erupção há uma implosão interior que origina uma “cratera desoladora” de desespero. Desdramatiza, procura ser sensato: são meros cacos do coração depositados no vidrão mais próximo de si.

Pedras queimadas
Foi com este texto que o Eduardo venceu o concurso nacional Conte Connosco do banco Santander Totta, em 2011. A introdução é mítica:

Na fundura do Barranco do Demo não há mal que dure sempre nem bem que não se acabe A crueza de um e outro funde os anos em duas estações só. (p. 151)
O final, assombroso de tão bem escrito, relembra-nos como nós – seres humanos – somos frágeis face à crença no regresso de alguém querido e, simultaneamente, robustos a encarar a declaração do prolongamento de um quotidiano repleto de solidão e saudade.

E, ao fim de uma semana, o filho do Zé Galo voltava a casa depois de ter entregado a alma ao Criador, de cima de um andaime, nos hediondos subúrbios de Paris. (p. 154)


A todos, sem exceções, boas festas! Ao Eduardo Jorge Duarte, comparsa de infância, adolescência e quiçá quantos mais estágios de vida, duas palavras: parabéns e obrigado!

29/10/2018

FC Porto e SL Benfica na UEFA Champions League 2018/2019: os desempenhos à luz dos dados estatísticos

Após 3 jornadas disputadas na fase de grupos da presente edição da UEFA Champions League, FC Porto e SL Benfica ocupam posições bem distintas. Se a equipa da invicta é líder isolada do grupo D com 7 pontos (duas vitórias e um empate), o SL Benfica acumulou 3 pontos no grupo E, fruto da vitória obtida em Atenas, estando a 4 pontos de Ajax e Bayern quando faltam cumprir 3 jogos. Como é óbvio, as respetivas perspetivas de apuramento para a fase a eliminar da competição estão longe de se equiparar.

Figura 1. Sorteio da fase de grupos da UEFA Champions League 2018/2019 (fonte: UEFA.com).

Os dados estatísticos são por muitos considerados irrelevantes para a análise do jogo de futebol, mas a verdade é que refletem de alguma forma a qualidade dos processos ofensivos e defensivos de cada conjunto. Trocando por miúdos, a análise quantitativa permite-nos fazer inferências sobre a qualidade dos métodos empregues. Por exemplo, se uma equipa apresenta uma média de 40% de posse de bola não é crível que faça do ataque organizado ou posicional o seu método de jogo ofensivo predominante. Por sua vez, uma equipa cujo guarda-redes (Gr) faz 10 defesas por jogo tende a ser defensivamente mais permeável que uma equipa cuja média é de uma defesa do Gr por jogo.

Num estudo publicado este ano na plataforma Sport Performance & Science Reports, demonstrei que as variáveis de performance que melhor diferenciaram as equipas que passaram à fase de eliminatórias (knock-out) na edição 2017/2018 da Champions League, comparativamente às 16 que foram eliminadas da competição, foram os remates à baliza (shots on goal), o total de remates (total attempts), a posse de bola (ball possession), os passes completos (passes completed) e a precisão do passe (passing accuracy) (Almeida, 2018). Ora, para melhor compreendermos os desempenhos de FC Porto e SL Benfica e prognosticarmos as hipóteses de sucesso na fase de grupos da presente edição do certame, atentemos à tabela 1.

Tabela 1. Dados estatísticos das 32 equipas envolvidas na competição ao final de 3 jogos na fase de grupos, relativamente às variáveis de interesse (valores absolutos para remates à baliza e passes completos; valores médios para remates por jogo, posse de bola e precisão no passe). Fonte: UEFA.com (clique para ampliar).
 Legenda: verde – superior à média global das equipas; amarelo – igual à média global; laranja – inferior à média global.

Por uma questão pontual, o FC Porto apresenta francas possibilidades de atingir a fase seguinte da prova. Para além de jogar mais duas vezes em casa, os valores de posse de bola e de remates à baliza observados permitem-nos inferir que, pelo menos, a equipa portista é eficaz no controlo da bola, não deixando de ser objetiva na procura do golo. Em relação ao controlo do espaço há margem para progresso, não apenas para potenciar a precisão do passe em organização ofensiva, mas também para evitar sofrer mais golos em processo defensivo, visto que tanto o Schalke como o Galatasaray têm menos golos sofridos até ao momento.

O caso do SL Benfica é bem mais bicudo. Embora ainda tenha mais 2 jogos para disputar em casa (Ajax e AEK), os valores apresentados pela equipa encarnada são todos inferiores às médias globais das 32 equipas nas variáveis de performance em análise. Ainda que os valores associados à ação de remate se aproximem da média, os valores relativos à ação de passe estão nitidamente abaixo do nível médio encontrado nesta competição. Para além de manifestar dificuldades no controlo do espaço em transição e organização defensivas, o que se traduziu em 5 golos sofridos em 3 jogos disputados, as carências da equipa de Rui Vitória no controlo da bola são mais que notórias. As estatísticas indicam que se privilegiou os métodos de contra-ataque e ataque rápido, sem esquecer que o Benfica jogou mais de uma parte em inferioridade numérica em Atenas. Isso, no entanto, não explica integralmente a falta de qualidade ofensiva dos vice-campeões nacionais, até porque somente conseguiu concretizar golos aos campeões gregos. O cenário negativo dos benfiquistas agudiza quando tanto Ajax como Bayern detêm valores superiores em todas as variáveis.

Em suma, os números valem o que valem e, em particular, esta análise descritiva não determina a 100% que FC Porto passe à fase a eliminar e o SL Benfica não. A análise retrospetiva do desempenho não implica que não haja evolução e novidade em jogos futuros. Embora haja sempre uma margem de erro associada, também é verdade que a ciência tem algo a dizer sobre o fenómeno e que treinadores, adjuntos e analistas deveriam estar atentos aos dados e procurar, através deles, planificar e propor conteúdos em treino mais ajustados às exigências e às tendências identificadas na competição em curso.

Termino com os meus votos de sucesso para as equipas portuguesas.

Referência
Almeida, C. H. (2018). What performance-related variables best differentiate eliminated and qualified teams for the knockout phase of UEFA Champions League? Sport Performance & Science Reports, 1(23), 1-3.

28/08/2018

Época 2018/2019: Quando o exemplo vem de cima…

Caros leitores (treinadores, treinadores de bancada, meros adeptos e/ou pais),

Alguns campeonatos já deram o pontapé de saída no nosso país, outros apenas iniciarão em setembro ou outubro. É sempre um momento de grande expectativa e ambição. Formulam-se objetivos, projetam-se sonhos e traçam-se planos, tantas vezes absurdamente desfasados da realidade.

Neste sentido, sinto a necessidade de recapitular um dos episódios mais cómicos, de tão disparatado que foi, do recente Mundial Rússia 2018: a confirmação da eliminação da (antiga) seleção campeã mundial diante da Coreia do Sul.


Num ímpeto final para alcançar o empate, o guarda-redes Manuel Neuer projeta-se no meio-campo ofensivo numa situação de bola parada. O jogo prossegue e o célebre guardião alemão permanece, sem qualquer tipo de nexo, numa posição adiantada para receber um lançamento lateral. A receção de bola não correu bem (figura 1) e o desenlace da sequência ofensiva é do nosso conhecimento, sendo possível descortinar a existência de três jogadores de campo alemães atrás da linha da bola após desarme a Neuer (figura 2).

Figura 1. Perda de bola de Manuel Neuer no terço ofensivo do campo, após má receção de bola.

Figura 2. Contra-ataque da Coreia do Sul (3v1), estando a Alemanha sem GR na baliza.

O calculismo e a frieza germânica foram consumidos pelo calor da emoção, do contexto. Errar é humano e, se os melhores do mundo também falham, deixemos as crianças e os jovens errar no desporto que gostam de praticar. O erro faz parte do processo ensino-aprendizagem, tal como a autonomia para percecionar o envolvimento, tomar decisões e executar ações em treino ou em situação competitiva.

No fundo, os bons ou maus exemplos vêm sempre de cima. Uma boa época 2018/2019 para todos!

11/08/2018

Monchique: Um diário de uma semana negra (3 a 10 de agosto de 2018)

A todos quantos desvendo o véu da minha intimidade manifesto o orgulho em ser natural de Monchique e residir na minha terra natal. Gabo o ar puro, a água cristalina, o sossego e a predominância do verde que cobre esta magnífica serra algarvia. Nos dias que agora passam a predominância deixou de ser o verde e passou a ser o negro. A imponente serra de Monchique ardeu, consumida por labaredas que se propagaram como não há memória, segundo os dizeres das gentes mais antigas da terra. O Município de Monchique reporta cerca de 16700 hectares de floresta e mato queimados, o que corresponde a 42,3% da área total do concelho, para não referir os imóveis e/ou outros bens materiais perdidos por muitos cidadãos.

Em seguida tentarei, sucintamente, relatar os dias que vivi por Monchique nesta semana que será de má memória para todos nós e cujas repercussões perdurarão por muitos dias, meses e até anos. Não é mais do que a minha versão dos acontecimentos, o meu testemunho, e estou certo de que muitos dos meus conterrâneos terão mais e melhores histórias para contar e que ficarão, pela negativa, para a posterioridade.

Sexta-feira, 3 de agosto de 2018. Deflagrou o fogo na Perna da Negra, na região norte do concelho de Monchique, pelas 13h32. Eu estava a almoçar em casa, na vila de Monchique, mas apenas soube do sucedido à tarde quando estava a trabalhar nas piscinas municipais. Infelizmente, os fogos não são eventos estranhos por cá, mas o facto de ter sido decretado “risco extremo de incêndio” pela Proteção Civil para o distrito de Faro não augurava coisa boa. Lembro-me de comentarem comigo que a área em chamas era um autêntico “barril de pólvora”, uma vez que havia cerros repletos de mato denso, seco e pouca acessibilidade. Ainda nessa sexta-feira à noite foram evacuadas pessoas nas Taipas e na Foz do Carvalhoso, a aproximadamente 20 km da vila.

Sábado, 4 de agosto de 2018. No sábado o cenário mudou e as chamas propagaram em direção à Altura das Corchas e Portela do Vento. O calor e o vento forte dificultaram imenso o trabalho dos efetivos no terreno. À tarde, pelas 17h, aquando das atividades das Jornadas Exercício e Saúde 2018 do Município de Monchique, o fumo cobriu o céu sobre a vila (imagem 1), o que indiciava uma progressão da frente de fogo para a sede de concelho, precisamente a área de maior densidade populacional. Nos povoados acima mencionados as pessoas começaram a ser evacuadas das suas casas. Em Monchique, a preocupação era cada vez mais evidente, sendo já estabelecidos termos de comparação com o incêndio que lavrou o concelho em 2003.
  
Imagem 1. Fumo sobre a vila de Monchique (4-ago-2018).

Domingo, 5 de agosto de 2018. As condições climáticas agravaram e o avanço do incêndio, ao invés de abrandar, acelerou rumo às vertentes Sul e Nascente da vila. Pelo meio, foi varrendo tudo a uma velocidade temente. Pouco após as 16h, a piscina municipal foi evacuada e a Proteção Civil ligou-me para cancelar a última semana das Férias Desportivas 2018. Demorei duas horas a ligar para todos os encarregados de educação e, quando terminei essa tarefa, já o fogo estava às portas da vila (Bica Boa, Relva de Trás, Cruz dos Madeiros). Quando olhei pela varanda da minha casa, apesar do denso fumo que invadiu Monchique, deu para perceber que a situação estava totalmente descontrolada. A decisão de levar a minha esposa e o bebé para Portimão foi imediata, mas organizar a mala com os bens necessários levou o seu tempo. Consegui regressar a Monchique pelas 22h, já as chamas desciam a encosta Sul da Picota, sendo visíveis a partir da zona de Vale de Boi (Parque da Mina) e das Caldas de Monchique. Volvidos 30-40 minutos a estrada N266 Monchique – Portimão foi cortada pela GNR. Na vila, a paisagem da minha casa era desoladora com o incêndio ainda a lavrar na Cruz dos Madeiros, Cerca da Rita, Malhada Quente, Carolo, Bemposta, São Roque, Caminho do Vale e a “subir” a encosta Norte da Picota. Entretanto, uma outra frente progrediu em direção a Alferce, barbeando tudo em redor da aldeia, incluindo algumas casas. O término do dia não chegou sem que as labaredas surgissem no Cerro do Touro. Da Rua do Viador observei diversas casas ameaçadas no dito cerro, no sítio da Mata Porcas e projeções a atingirem a rua onde me situava e a Rua do Bemparece. O Cerro de São Pedro foi, também, atingido por projeções e só não ateou devido à rápida atuação de populares e bombeiros já prontos para a contenção. O sentimento de impotência no momento foi indescritível e o número de moradias que estiveram em perigo em plena vila e arredores foi impressionante (imagem 2).
  
Imagem 2. Fogo às portas da Vila de Monchique (Cerro do Touro e Caminho da Foia; fonte: bombeiros24.pt).

Segunda-feira, 6 de agosto de 2018. A madrugada foi longa e só quando o fogo começou a recuar no Cerro do Touro, por meio da alteração do vento e da intervenção dos bombeiros, me permiti descansar algumas horas. Acordei sem água canalizada e com rede muito instável no telemóvel. Os serviços de televisão e internet já tinham ido abaixo na véspera. Este foi o dia em que o impensável aconteceu: jamais julguei possível sentir a minha casa em risco dentro do perímetro da vila. De manhã fui para o quartel dos bombeiros para ajudar no que fosse preciso e juntei-me a um grupo de malta conhecida na logística. Por volta da hora do almoço andava a distribuir refeições na Altura das Corchas aos operacionais no terreno com um elemento da Proteção Civil de Castro Marim. A vista do veículo era constrangedora (imagem 3).

Imagem 3. Casa dos Cantoneiros (Altura das Corchas, 6-ago-2018).

Na rádio o locutor afirmava que a Proteção Civil anunciava ter 95% do fogo controlado até ao final da tarde. Comentei com o senhor da Proteção Civil que achava a situação demasiado otimista e, ao passar a segunda vez pela Portela da Sernada, avistei uma frente de fogo na zona da Alcaria do Peso e do Barranco dos Pisões a consumir mato com uma força incrível. Disse-lhe que o vento estava de quadrante Norte e que, provavelmente, chegaria à Portela das Eiras e, no pior dos cenários, ao Cerro do Convento; daí até entrar na vila pela vertente Poente seria um ápice. A resposta que obtive foi um leve encolher de ombros e... silêncio. Entretanto, ardia noutros pontos do concelho como, por exemplo, no Semedeiro e nas Caldas de Monchique. Retornado ao quartel, a recolha e a distribuição de alimentos, águas e outras bebidas foi uma constante. Às 19h, num período de atividade mais calmo, vislumbrei um céu mais escuro sobre a vila e o que temia aconteceu mesmo. O fogo estava a lavrar a Portela das Eiras e o vento aumentou de intensidade: ia chegar ao Convento. Despedi-me e fui para casa, no sentido de tentar perceber a gravidade do contexto. Estar sem água canalizada e com pouca rede agravavam as circunstâncias. Por volta das 20h40 – nem sei bem precisar – vimos as primeiras labaredas a se aproximarem, felizmente pudemos contar com a preciosa colaboração de mais 7/8 amigos na proteção das casas e do espaço aberto do antigo Colégio de Santa Catarina, isto com o singelo recurso a baldes e água de um tanque aí situado. Ouvimos o guinchar grotesco de dois cabritos a serem queimados vivos, embora o pastor do Convento tivesse conseguido salvar quase na totalidade os dois rebanhos, um de ovelhas e outro de cabras. Aparte disso, o zumbido das chamas a avançar no cerro e as árvores a estalar eram qualquer coisa de muito intimidante. Num par de vezes faúlhas afoguearam o pasto seco do antigo Colégio de Santa Catarina, a porta do fogo para o centro da vila, mas a rápida intervenção da malta jovem no local com os tais baldes de água evitou males maiores. A chegada algo tardia da Força Especial de Bombeiros e de um carro da Associação de Bombeiros Voluntários de Monchique, entretanto desviado para debelar uma projeção no sítio do Pomar Velho, permitiram controlar a situação na zona Poente da vila (imagem 4). Na hora e meia de maior aflição fomos abordados por quatro militares da GNR para abandonarmos a nossa casa e o espaço aberto do Colégio de Santa Catarina, porém, perceberam que estávamos ali para ajudar e não houve detenções ou evacuações forçadas.
  
Imagem 4. Vista da minha casa sobre o Cerro do Convento, o pior já tinha passado (6-ago-2018).

Após o episódio anterior a vila ficou às escuras com o corte de energia da EDP. Permaneci na zona da minha casa para me assegurar que não havia reacendimentos ou mudança de direção do vento e a maior parte do nosso grupo foi para o Bairro da Ceiceira para colaborar com os populares e as autoridades no que fosse necessário, pois o fogo encaminhou-se para lá. Já madrugada adentro fui buscar os carros para a minha rua e ainda regressei ao quartel para perceber como estava a situação no terreno. Inúmeros focos continuavam ativos no concelho e os bombeiros não tinham mãos a medir.

Terça-feira, 7 de agosto de 2018. Outro dia sem água e agora sem rede de telemóvel; todas as vias de acesso a Portimão estiveram parte do dia cortadas ao trânsito. As frentes de fogo ativas lavraram na Fóia, nas Caldas de Monchique e na Arqueta, em direção à Nave. Múltiplos reacendimentos foram resolvidos pelos meios aéreos ou terrestres em áreas que já tinham ardido parcialmente. Neste dia fiquei, essencialmente, pelo quartel na ajuda ao setor da logística e, ao que me foi possível acompanhar, a vila de Monchique passou ao lado dos sobressaltos vividos nos dois dias anteriores. O mesmo não podemos referir em relação à generalidade do concelho.

Quarta-feira, 8 de agosto de 2018. Com a situação aparentemente mais calma na vila e com o regresso de um ar mais suscetível para respirar, desloquei-me a Portimão para ir buscar a família. O caminho no sentido de Alferce – Laranjeira – Rasmalho foi percorrido de coração apertado (imagem 5). Enquanto fui e vim, o incêndio não deu descanso aos bombeiros nas zonas da Foia, Caldas de Monchique, Barranco do Banho e Nave. Mais a Sul, as chamas dirigiam-se a Silves, ameaçando a povoação de Enxerim. A tarde foi passada em limpezas. A quantidade de cinza, folhas queimadas e cascas de diferentes tipos de árvore retirada do quintal foi considerável. No interior da habitação, a cinza penetrou em todas as divisões com janelas.

Imagem 5. Panorama do miradouro da Pedra Branca, Alferce (8-ago-2018).

Quinta-feira, 9 de agosto de 2018. A manhã foi passada no quartel, período com atividade mais moderada relativamente ao início da semana. O horário do almoço acarretou um serviço mais intensivo, fruto da distribuição de muitas refeições ao mesmo tempo, mas como tive de me ausentar para ir a Portimão, não experienciei essas dificuldades. O dia foi de resolução, embora se tivessem verificado reacendimentos na zona da Palmeira, Foia e Nave, ocorrências estas prontamente solucionadas pelos bombeiros e GIPS.

Sexta-feira, 10 de agosto de 2018. O dia mais calmo da semana, com ações de resolução por parte dos bombeiros e forças militares em reposta a alguns reacendimentos. A frente de Silves concentrou as principais preocupações do posto de comando. No quartel dos bombeiros foi dos dias mais tranquilos que vivemos durante a semana. Alguns operacionais dos bombeiros, GIPS, GNR, exército e forças especiais do exército começaram a desmobilizar e a regressar a casa. O teatro de operações perdeu fulgor e a vila retomou algumas das suas atividades quotidianas, não todas.

Longe de acusar quem quer que seja, caberá às autoridades apurar responsabilidades. À semelhança de muitos populares senti-me desprotegido, em risco e sem o apoio (bombeiros e carros de combate) que seria de esperar no interior do perímetro da vila. Fui convidado a deixar a casa por mais do que uma vez mas, no nosso caso, reinou o bom senso dos agentes da autoridade. Apesar de toda a tristeza e revolta que possamos acumular, é tempo de nos reerguermos e lutarmos por um concelho renovado e com mais vitalidade. Decerto que não será fácil para aqueles que perderam tudo, ainda para mais quando não vão para novos, mas nunca os tempos foram tão urgentes e propícios para que a comunidade monchiquense se envolva em prol de um bem comum. Sarar as feridas e renascer Monchique não é um trabalho para um ou para outro, é um trabalho de todos e para todos (imagem 6).


Imagem 6. As "cicatrizes" da Picota como consequência do incêndio que lavrou Monchique.

Aproveito o ensejo para agradecer a todos os operacionais que colaboraram para que esta semana fosse o menos trágica possível. Aos bombeiros, forças especiais, GIPS, GNR, exército e todos os populares e técnicos que se voluntariaram e abnegadamente deram um pouco de si a esta missão, o meu sincero OBRIGADO!