29/05/2023

Artigo do mês #41 – maio 2023 | “Treina como jogas”: Melhorar a eficácia do treino com jovens praticantes de futebol

 Nota prévia: O artigo científico alvo da presente síntese foi selecionado em função dos seguintes critérios: (1) publicado numa revista científica internacional com revisão de pares; (2) publicado no último trimestre; (3) associado a um tema que considere pertinente no âmbito das Ciências do Desporto.

 

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Autores: Deuker, A., Braunstein, B., Chow, J. Y., Fichtl, M., Kim, H., Körner, S., & Rein, R.

País: Alemanha

Data de publicação: 11-maio-2023

Título: “Train as you play”: Improving effectiveness of training in youth soccer players

Referência: Deuker, A., Braunstein, B., Chow, J. Y., Fichtl, M., Kim, H., Körner, S., & Rein, R. (2023). “Train as you play”: Improving effectiveness of training in youth soccer players. International Journal of Sports Science & Coaching, 1–10. Advanced online publication. https://doi.org/10.1177/17479541231172702

 

Figura 1. Informações editoriais do artigo do mês 41 – maio de 2023.

 

Apresentação do problema

A perspetiva tradicional da aquisição de habilidades no desporto sustenta que é necessária uma prática deliberada extensa para que se alcance a perícia na execução de uma habilidade específica (Ericsson, 1993). A investigação no âmbito da Psicologia Cognitiva apoia a noção de que, em treino, os programas motores de reduzida complexidade devem ser, primeiramente, otimizados e automatizados e, subsequentemente, associados a tarefas de movimento mais complexas, tais como as que ocorrem em situações jogadas (Davids et al., 1994). O professor/instrutor é a figura autoritária que detém o conhecimento absoluto sobre as soluções de movimento ideais e que são prescritas aos aprendizes por meio de instrução e feedback (Woods et al., 2000). Na generalidade, os jogadores passam, inicialmente, por uma fase de prática descontextualizada repetida para adquirir ações técnicas e só depois aplicam essas técnicas em jogo, visando o desenvolvimento da destreza e da tomada de decisão. O problema é que, numa sessão de treino, apenas são habitualmente dedicados os últimos 10/15 minutos a atividades contextualizadas (Memmert et al., 2010).

 

Pedagogia Não Linear

Ao invés, a Pedagogia Não Linear é uma abordagem pedagógica, suportada pela Dinâmica Ecológica (Duarte et al., 2009), que estimula a aprendizagem através da exploração e da adaptação individualizada de soluções de movimento (Chow et al., 2011, 2016; Davids et al., 2021). Os aprendizes são encarados como sistemas dinâmicos não lineares cujo comportamento resulta da interação constante entre o organismo e o seu ambiente. Segundo esta abordagem, as soluções de movimento emergem de processos de auto-organização, tendo em consideração 5 princípios fundamentais (Correia et al., 2012):

 

· Princípio da variabilidade adaptativa: os sistemas biológicos exploram o contexto de aprendizagem e adaptam o seu comportamento em função dos constrangimentos com que se deparam;

· Princípio da manipulação de constrangimentos: os treinadores manipulam os constrangimentos da tarefa, de modo a orientar (guiar) as ações dos aprendizes numa determinada direção;

· Princípio do design representativo: os treinadores criam contextos de aprendizagem nos quais os jogadores procuram soluções de movimento e exploram oportunidades de ação (affordances) presentes num contexto específico de desempenho;

· Princípio da definição de objetivos: os treinadores guiam os jogadores numa “paisagem” de oportunidades de ação, sem prescrever as soluções de movimento que o indivíduo deve explicitamente adquirir;

· Princípio da simplificação da tarefa: esta estrutura teórica pressupõe a conceção de jogos competitivos representativos (e.g., jogos reduzidos/condicionados), em vez de atividades práticas descontextualizadas.

 

Embora esta abordagem ecológica para a aquisição de habilidades tenha ganhado alguma força na literatura científica do desporto, a sua adoção em contextos práticos para substituir programas de treino mais tradicionais permanece um pouco negligenciada (Williams et al., 2017). Um dos tipos de atividades que parece adequar-se mais aos propósitos da Pedagogia Não Linear é o jogo reduzido/condicionado. Na atualidade, estas atividades são frequentemente introduzidas em programas de treino, ainda que, no continuum da aquisição de habilidades, não pareçam substituir a quantidade substancial de ensaios repetidos do movimento presente em exercícios analíticos (Chow et al., 2019; Ribeiro et al., 2021). 

Em termos de intervenção científica, Práxedes et al. (2018) investigaram os efeitos da aplicação de uma abordagem de Pedagogia Não Linear, através de jogos modificados, na promoção de ações ofensivas em jogadores de futsal Sub-16. Um grupo cumpriu 14 sessões de treino de jogos de futsal modificados, enquanto o grupo de controlo foi instruído mediante uma metodologia de desenvolvimento técnico. Após as 14 semanas de intervenção, os resultados mostraram que, contrastando com o grupo de treino técnico, o grupo da Pedagogia Não Linear melhorou significativamente na tomada de decisão e na performance de passe, evidenciando a existência de vantagens na implementação de atividades de treino representativas, em testes protocolares jogados (Almeida et al., 2013; Práxedes et al., 2018).

 

Testes de futebol

No estudo supramencionado, Práxedes et al. (2018) utilizaram um teste protocolar em jogo, porém, os procedimentos de testagem no futebol infantojuvenil são geralmente baseados em ambientes fechados, com poucos graus de liberdade comportamental (Pinder et al., 2011; Russell et al., 2010). Os defensores da posição tradicional argumentam que os testes “jogados” examinam a componente da tomada de decisão, em vez da componente técnica e pura do movimento (Russell et al., 2010; Vilar et al., 2010). Os proponentes da Dinâmica Ecológica alegam, por sua vez, que a avaliação da aprendizagem deve ocorrer em contextos de desempenho representativos (Brunswick, 1956). A maioria dos testes aplicados nos desportos coletivos tem uma “validade ecológica” um tanto dúbia, pois as condições de treino decompostas (fragmentadas) raramente representam a relação aprendiz/jogador–ambiente/contexto (Pinder et al., 2011). Portanto, na ausência de um contexto de aprendizagem representativo, ainda não se sabe até que ponto a Pedagia Não Linear pode ser eficaz na avaliação exclusiva da aquisição/desenvolvimento de habilidades técnicas.

 

“Treinas como jogas”

Uma sessão de treino tradicional alterna sequências de prática deliberada com atividades jogadas (Côté et al., 2012). Esta abordagem linear requer que os jogadores cumpram exercícios técnicos antes de aplicar e aprimorar ações específicas contextualizadas, como acontece nos jogos reduzidos/condicionados. Ao contrário desta perspetiva, o presente estudo visou investigar se esta sequência típica de conteúdos pode ser substituída por jogos concebidos através dos princípios-chave da Pedagogia Não Linear (Correia et al., 2012). Será que a repetição, por si só, tem um papel crucial no processo de aprendizagem? Especificamente, os autores examinaram até que o ponto a prática descontextualizada é fundamental para a aquisição de habilidades técnicas no futebol infantojuvenil. A novidade do estudo prende-se com a análise comparativa de duas abordagens distintas num teste protocolar não representativo, o que não é comum neste tipo de intervenções no domínio da Dinâmica Ecológica.

 

Métodos

Design: tratou-se de um estudo experimental no terreno, com 1 grupo de controlo (CONTROL) e 2 grupos de intervenção (“jogo”/PLAY e “exercício”/PRACTICE) que executaram, de forma estandardizada, testes analíticos de passe, drible e sprint com mudança de direção. As sessões de testes ocorreram antes da intervenção (“Pré”), após a intervenção (“Pós”) e 5 semanas depois da intervenção (“Retenção”). Os encarregados de educação forneceram, através de documento escrito, consentimento informado para a participação dos seus educandos no estudo. 

Participantes: 40 crianças praticantes de futebol (idade: 10 ± 1 ano; estatura: 146 ± 6 cm; massa corporal: 39 ± 9 kg) pertencentes a um clube amador alemão. Este clube tem 4 equipas na categoria Sub-11, sendo que os melhores jogadores competem pela primeira equipa na divisão regional mais alta, enquanto a segunda e a terceira equipas, que apresentam um nível de prática idêntico, competem numa divisão abaixo. Como os 12 jogadores da primeira equipa têm um nível de prática mais elevado e treinam separados das outras 3 equipas, acabaram por constituir o grupo de controlo. Os restantes 28 jogadores da segunda e terceira equipas foram aleatoriamente distribuídos pelos grupos de intervenção: “jogo” (n = 14) e “exercício” (n = 14). 

Instrumentos e materiais: as crianças foram submetidas a testes padronizados de passe, drible e sprint com mudança de direção indicados pela Federação Alemã de Futebol (DFB) (Höner et al., 2015). No teste de passe (figura 2), as crianças tinham de executar 12 passes o mais rápido possível, sendo o tempo para completar a tarefa medido através de cronómetro. Nas tarefas de drible e sprint com mudança de direção, as crianças tinham de completar o slalom o mais rápido possível (figura 3). Em cada teste, o melhor resultado de duas tentativas foi posteriormente utilizado na análise estatística. Os testes (Pré, Pós e Retenção) foram realizados de forma padronizada, ou seja, em relva artificial, entre as 17:00 e as 19:00 e sem chuva. Durante o período de intervenção, todas as sessões de treino foram gravadas com uma GoPro Hero6 Black® (GoPro, California, USA), com o objetivo de calcular o número de passes executados por grupo e a média de passes executados por participante.

 

Figura 2. Representação esquemática do teste de passe da DFB. Os jogadores têm de executar, o mais rapidamente possível, 12 passes consecutivos contra paredes opostas. A bola tem de ser jogada no espaço central com, no mínimo, 2 toques sobre a bola antes de cada passe. O tempo é contabilizado a partir do primeiro toque na bola. DFB: Deutscher Fußball-Bund (Federação Alemã de Futebol) (Deuker et al., 2023).

 

Figura 3. Representação esquemática dos testes de drible e sprint com mudança de direção da DFB. Os jogadores iniciam a condução de bola/corrida sem qualquer sinalética e têm de cumprir o percurso o mais rápido possível. O tempo é contabilizado a partir da entrada no slalom (Deuker et al., 2023).

 

Procedimentos: o grupo de controlo prosseguiu com a sua rotina de treino habitual com o seu treinador (grau UEFA B). Os grupos “jogo” e “exercício” cumpriram o mesmo volume de treino durante as 5 semanas de intervenção (média por participante: 7 ± 1 sessões). A intervenção ocorreu nos primeiros 30 minutos da sessão de treino, sendo as sessões supervisionadas por 2 treinadores de futebol (graus UEFA A e UEFA B) e por 2 investigadores para aferirem se as abordagens pedagógicas estavam a ser criteriosamente aplicadas. Após o período de intervenção inicial (“jogo” vs. “exercício”), os participantes regressaram às respetivas equipas para concluir as sessões de treino com os seus treinadores (graus UEFA C). A intervenção através de “exercício” consistiu em tarefas analíticas de passe aplicadas segundo as recomendações da abordagem de Prática Deliberada propostas Ericsson (2008; 2020): (a) instruções explícitas sobre o melhor método para completar a tarefa; (b) existência de um objetivo de desempenho, com feedbacks formativos concedidos após cada tentativa; (c) o treinador organiza a sequência de tarefas de treino e decide quando é que os jogadores devem transitar para exercícios mais complexos e desafiantes. Os exercícios foram retirados do manual de exercícios da Federação Alemã de Futebol sugeridos para o escalão Sub-11 (DFB – Deutscher Fußball-Bund, 2017; figura 4).

 

Figura 4. Exercícios-exemplo aplicados ao grupo de intervenção “exercício” e retirados da Federação Alemã de Futebol (DFB) para o futebol infantojuvenil. Exercício 1: os jogadores devem passar e correr no longo do percurso definido. Exercício 2: a partir do exercício 1 adiciona-se uma competição de passe (Deuker et al., 2023).

 

A intervenção “jogo” adotou os princípios-chave da Pedagogia Não Linear. O design da prática consistiu em jogos reduzidos/condicionados, pressupondo a manipulação de uma série de constrangimentos (Almeida et al., 2013; Correia et al., 2019; Davids et al., 2013). Os diversos objetivos práticos e a manipulação de constrangimentos foram combinados no decurso do período de intervenção de 5 semanas, ainda que as instruções fornecidas tenham permanecido inalteradas (e.g., “ultrapassar os adversários através de penetração, por cima ou pelas alas”; “manter a posse de bola coletivamente, evitando que os adversários reconquistem a bola”). 

Análise estatística: foi considerado um desenho experimental de 3 grupos (controlo, “jogo” e “exercício”) x 3 sessões de teste (Pré, Pós e Retenção) para identificar eventuais diferenças entre os 3 grupos experimentais nos 3 testes técnicos propostos. Como o tamanho dos grupos diferiu (controlo: 12; “jogo”: 14; “exercício” 14), foi calculado um modelo linear misto. O grupo e o período de teste foram modelados como efeitos fixos, e os participantes foram adicionados como fator de efeito aleatório. As assunções para a aplicabilidade desta técnica estatística foram todas previamente analisadas. Em caso de existência de efeitos principais ou de interações significativas, foram corridos múltiplos testes post hoc com ajustamento de Tukey (Rosenthal et al., 2000). A dimensão de efeito foi calculada para cada comparação de pares mediante o d de Cohen (Westfall et al., 2020) e interpretada de acordo com os valores de corte 0.2 (pequena), 0.5 (média) e 0.8 (grande) (Cohen, 2013). O nível de significância estatística foi estabelecido em p ≤ 0.05, com um intervalo de confiança de 95%. Todas as análises estatísticas foram realizadas com o software RStudio (1.2.5001).

 

Principais resultados

A figura 5 mostra as caixas de bigodes com o desenvolvimento da performance de passe ao longo das sessões de teste para os diferentes grupos de participantes. Conforme é possível observar, o tempo necessário para completar os 12 passes permaneceu constante no grupo de controlo (CONTROL). Do período Pré para o período Pós-intervenção, ambos os grupos intervencionados melhoraram o desempenho técnico no teste de passe, com uma redução significativa do tempo de execução dos 12 passes (“jogo”/PLAY: dimensão de efeito média; “exercício”/PRACTICE: dimensão de efeito grande). No teste de Retenção, apenas o grupo “jogo” manteve as melhorias obtidas no período Pós, enquanto no grupo “exercício” houve um retrocesso da performance no sentido do nível apurado no período Pré-intervenção.

 

Figura 5. Caixas de bigodes do teste de passe nos períodos Pré, Pós e Retenção para os 3 grupos de participantes (controlo/CONTROL, “jogo”/PLAY e “exercício”/PRACTICE). Tempo para completar 12 passes em segundos [s]. *Diferenças significativas comparando com o teste pré-intervenção, p ≤ 0.05. **Diferenças significativas comparando com o teste pré-intervenção, p ≤ 0.01. ***Diferenças significativas comparando com o teste pré-intervenção, p ≤ 0.001.

 

Durante as 5 semanas de intervenção, os participantes do grupo “jogo” executaram menos de metade do número de passes realizado pelos participantes do grupo “exercício” (354 ± 66 vs. 777 ± 172, respetivamente). Os resultados adquirem uma expressão ainda mais admirável ao percebermos que o grupo “jogo”, mesmo executando significativamente menos passes nas sessões de treino específicas, obteve melhorias equiparadas ao grupo “exercício” no teste Pós-intervenção. Adicionalmente, os progressos do grupo “jogo” revelaram-se mais duradouros, uma vez que os seus elementos foram capazes de manter o nível de desempenho no teste de Retenção, 5 semanas depois do teste Pós. 

No teste de drible, os desempenhos permaneceram constantes nos 3 grupos, porém, o grupo de controlo exibiu melhores resultados comparativamente aos grupos de intervenção “jogo” (dimensão de efeito grande) e “exercício” (dimensão de efeito média). No teste de sprint com mudança de direção, a tendência de resultados foi similar, ou seja, só se verificou um efeito significativo entre grupos, não havendo qualquer interação significativa entre o tipo de intervenção (controlo, “jogo” e “exercício”) e a sessão de avaliação (Pré, Pós e Retenção). Por outras palavras, o grupo de controlo foi significativamente mais rápido no slalom sem bola que o grupo “jogo” (dimensão de efeito média), no entanto, a performance no sprint com mudança de direção não evoluiu substancialmente em nenhum dos grupos ao longo do tempo.

 

Aplicações práticas

Os testes para avaliar a aquisição de competências no futebol infantojuvenil devem ser representativos da modalidade, ou seja, devem ser passíveis de reproduzir as invariantes que dão forma à lógica interna do jogo. Sabendo que em inúmeras ocasiões as crianças e os jovens são avaliados em contextos analíticos não representativos, neste estudo foram comparadas duas abordagens distintas de intervenção (Pedagogia Não Linear vs. Prática Deliberada), recorrendo, precisamente, a tarefas descontextualizadas de passe, drible e sprint com mudança de direção para aferir a dinâmica aquisitiva de habilidades. A priori, esta opção metodológica favorecia o grupo “exercício”, o que tornou ainda mais surpreendentes as evidências obtidas. 

Mais importante do que a quantidade de ações repetidas é a natureza das ações executadas em consonância com o contexto de aprendizagem proporcionado aos praticantes. Embora o grupo “exercício” tenha executado 2,4 vezes mais ações de passe do que o grupo “jogo”, em contextos situacionais similares aos testes realizados (analíticos/não representativos), o grupo “jogo” obteve ganhos comparáveis no teste Pós-intervenção e superou os resultados do grupo “exercício” no teste de Retenção. As evidências questionam o papel da Prática Deliberada no processo de aquisição de habilidades técnicas no futebol, ou seja, a necessidade de repetir exaustivamente comportamentos considerados ideais antes da aprendizagem do jogo através do próprio jogo. 

Recomenda-se que a manipulação de constrangimentos da tarefa em atividades jogadas seja bem ponderada, tendo em consideração as características dos praticantes, do grupo e dos objetivos previamente definidos. O design da tarefa e a seleção dos constrangimentos devem permitir que os praticantes explorem e usem oportunidades de ações, descobrindo e aplicando soluções de movimento funcionais suscetíveis de ocorrer em contextos típicos de desempenho (princípio da representatividade da tarefa). Neste sentido, o grupo “jogo” demonstrou maior adaptabilidade, já que os seus elementos demonstraram elevados níveis de desempenho num teste que carecia de representatividade e de especificidade em relação às tarefas de aprendizagem que cumpriram no período de intervenção. Por um lado, os jogos/reduzidos condicionados proporcionam altos níveis de coadaptação e de variabilidade da prática; por outro lado, as condições de teste com poucos graus de liberdade podem ter sido menos exigentes para o grupo “jogo” face às tarefas efetuadas durante a intervenção experimental. 

As evidências suportam a eficácia da Dinâmica Ecológica no processo de treino de futebol, quer ao nível da especificidade, quer ao nível do transfer geral de habilidades. Além da dimensão técnica, estudos prévios também expuseram os benefícios de utilizar os princípios-chave da Pedagogia Não Linear na aprendizagem e no desenvolvimento de comportamentos táticos (Davids et al., 2013; Práxedes et al., 2018).

 

Conclusão

No treino de futebol, tem sido tradição colocar o foco inicial na prática repetida de ações, com poucos graus de liberdade comportamental, para adquirir de habilidades técnicas antes de aplicar esses padrões de movimento em situações de jogo dinâmicas. A evidência mais sonante deste estudo indica que uma habilidade técnica pode ser aprendida/desenvolvida de modo mais efetivo através de treino não linear, ao invés do usual treino técnico isolado (analítico). Para além disso, o estudo também sugere que, no processo de aquisição de habilidades, proporcionar um contexto dinâmico de elevada variabilidade é mais importante que a oportunidade de repetir os mesmos padrões de movimento em tarefas “fechadas”. Consequentemente, parece existir diversas vantagens decorrentes da aplicação da Pedagogia Não Linear na aquisição de habilidades específicas do futebol, pelo que os treinadores são encorajados a elaborar tarefas práticas que possibilitem que os aprendizes “treinem como jogam”.

 

P.S.:

1-  As ideias que constam neste texto foram originalmente escritas pelos autores do artigo e, presentemente, traduzidas para a língua portuguesa;

2-  Para melhor compreender as ideias acima referidas, recomenda-se a leitura integral do artigo em questão;

3-  As citações efetuadas nesta rúbrica foram utilizadas pelos autores do artigo, podendo o leitor encontrar as devidas referências na versão original publicada na revista International Journal of Sports Science & Coaching.

19/05/2023

Aniversários: 17.º do blogue Linha de Passe e 10.º de “namoro” com a minha Patrícia

Dezoito de maio de dois mil e vinte e três. Um dia de ocasião e de recordatória. Em 2006, criei o blogue Linha de Passe (figura 1), quase como um instrumento de catarse para os meus pensamentos e desejos, para as minhas dúvidas, crises e vivências. Em 2013, o dia que mudou o estado solitário da minha existência para uma conjuntura inicial a dois e, atualmente, a cinco. É uma data especial, que poderia ter sido comemorada a preceito, mas não foi.

Figura 1. 17.º aniversário do blogue Linha de Passe e, bem mais importante, uma década de "namoro" com a minha esposa.

Foi, sim, um daqueles dias avessos, em que o contrário se funde com o que deveria ser a direção certa. Talvez advenha de um estado de espírito inquieto, um pouco à deriva com o sentido que a vida tomou. O tempo passa e as ideias e os projetos multiplicam-se a uma escala inversamente proporcional às possibilidades que tenho para concretizá-los. Uma existência repleta de afazeres, alguns insignificantes, que pouco ou nada acrescentam. 

Regresso ao início: análise da situação e definição de prioridades. O que importa mesmo? É aqui que tudo se edifica ou que tudo desmorona. É aqui que podemos começar a primar pela diferença: a felicidade em permanente construção.

Parabéns e obrigado, meu amor!

Feliz aniversário, Linha de Passe!

28/04/2023

Artigo do mês #40 – abril 2023 | Como é que as variáveis situacionais afetam a perceção subjetiva de esforço de jovens futebolistas de elite?

Nota prévia: O artigo científico alvo da presente síntese foi selecionado em função dos seguintes critérios: (1) publicado numa revista científica internacional com revisão de pares; (2) publicado no último trimestre; (3) associado a um tema que considere pertinente no âmbito das Ciências do Desporto. 

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Autores: Marqués-Jiménez, D., Sampaio, J., Calleja-González, J., & Echeazarra, I.

País: Espanha

Data de publicação: 21-março-2023

Título: A random forest approach to explore how situational variables affect perceived exertion of elite youth soccer players

Referência: Marqués-Jiménez, D., Sampaio, J., Calleja-González, J., & Echeazarra, I. (2023). A random forest approach to explore how situational variables affect perceived exertion of elite youth soccer players. Psychology of Sport & Exercise, 67, 102429. https://doi.org/10.1016/j.psychsport.2023.102429

 

Figura 1. Informações editoriais do artigo do mês 40 – abril de 2023.

 

Apresentação do problema

As cargas interna e externa têm sido extensivamente analisadas em contextos de treino e de competição (Impellizzeri et al., 2019). Designadamente no futebol, medir e avaliar a carga interna suscitada pelo jogo, em particular a Perceção Subjetiva de Esforço (PSE), ajuda a associar, de forma precisa, as atividades realizadas em competição com a capacidade física individual, o que permite compreender a dose-resposta normalmente induzida pelos jogos competitivos (Weston, 2013). Apesar de se basear numa avaliação subjetiva, os métodos relativos à PSE têm sido amplamente adotados para quantificar a carga interna no futebol (Rago et al., 2020). 

O esforço percebido é a sensação de quão pesada e extenuante é uma tarefa física (Borg, 1998). A PSE é gerada centralmente por sinais cerebrais de descarga do corolário que, entre outras particularidades, permitem que os seres vivos distingam os sinais autoproduzidos dos sinais externos e podem ser uma causa de influência indireta para que o organismo permaneça ativo numa determinada tarefa (de Morree et al., 2012). Além disso, a PSE integra ainda sinais neurais aferentes de diferentes entradas no sistema nervoso central (e.g., músculos esqueléticos, coração, pulmões). Contudo, estas determinantes fisiológicas e neurais não explicam totalmente a variação da PSE (Morgan, 1973), uma vez que há fatores sociológicos, ambientais e individuais (e.g., género, idade, nível de condição física e experiência) que também podem influir (Haddad et al., 2017). 

Até à data, a investigação tem sugerido que os jogadores altamente treinados apenas utilizam uma porção do seu potencial físico devido a variantes contextuais (e.g., plano estratégico-tático, clima, expectativas próprias) (Waldron & Highton, 2014). Este aspeto pode explicar o porquê de a PSE pós-jogo poder ser afetada por variáveis situacionais (Barrett et al., 2018; Brito et al., 2016). Por exemplo, em jogos oficiais, Barrett et al. (2018) encontraram diferenças posicionais em diferentes valências da PSE (esforço respiratório, esforço muscular do membro inferior e esforço técnico) e um esforço técnico percebido mais elevado contra adversários mais fortes. Ainda assim, o conhecimento existente sobre como as variáveis situacionais interagem e influenciam a PSE em jogos de futebol é limitado. Adicionalmente, também vale a pena aprofundar o conhecimento acerca de como o esforço percebido pelos jogadores varia de um jogo para o outro. 

Na atualidade, as abordagens que utilizaram algoritmos de “machine learning” [aprendizagem de máquina] no futebol têm-se focado na relação entre a PSE e diferentes métricas das cargas interna e externa, produzidas por jogadores seniores em sessões de treino ou em jogos (Geurkink et al., 2019; Jaspers et al., 2018; Rossi et al., 2019); apesar disso, as variáveis situacionais não foram equacionadas nesses trabalhos. O objetivo do presente estudo foi explorar o modo como as variáveis situacionais afetam a PSE de jovens jogadores de futebol após jogos oficiais (figura 2). Trata-se do primeiro estudo exploratório a examinar a importância de variáveis situacionais na variação da PSE de jovens futebolistas após jogos competitivos, utilizando para o efeito algoritmos de “machine learning”.

 

Figura 2. Jogo do escalão de “Cadetes” (Sub-15) em Espanha (imagem não publicada pelos autores; fonte: www.granadaenjuego.com).

 

Métodos

Design: o estudo foi realizado em condições não experimentais. O staff técnico e os participantes não receberam qualquer instrução dos investigadores. Antes da recolha dos dados, os encarregados de educação dos jovens jogadores preencheram por escrito o consentimento informado para a participação no estudo. O anonimato dos participantes foi assegurado em todas as etapas da investigação. 

Participantes: 35 jovens jogadores de futebol (idade: 14.33 ± 0.86 anos; estatura: 173.49 ± 6.16 cm; massa corporal: 63.44 ± 5.98 kg) pertencentes a duas equipas diferentes de um clube profissional. Os jogadores treinavam 4 vezes por semana e tinham 1 jogo por semana. Os jogadores foram agrupados em 5 posições distintas: defesa central (CD – central defender; n = 190); defesa lateral (FB – full-back; n = 72); médio-centro (CM – central midfielder; n = 180); médios-ala (WM – wide midfielder; n = 133); avançado (AT – attacker; n = 212). Os guarda-redes não foram incluídos no estudo. 

Procedimentos: a recolha de dados ocorreu quando ambas as equipas competiam na divisão mais alta da respetiva categoria (Sub-15), no decurso de duas épocas consecutivas (2016/2017 e 2017/2018), incluindo um total de 60 jogos oficiais (30 por equipa). Os dados foram fornecidos pelas equipas técnicas, que adotaram procedimentos similares ao longo das duas épocas: os jogadores classificaram a sua perceção de esforço (PSE) 10 minutos após o jogo, recorrendo à escala modificada de Borg (CR-10; Borg, 1998). A escala varia entre 0 (repouso) e 10 (esforço máximo), estando associada a descritores verbais (figura 3). Os jogadores responderam, individualmente, à questão “Quão extenuante foi o jogo?” e já se encontravam familiarizados com o modo de utilização da escala. Os valores de PSE foram incluídos na análise estatística somente se os participantes tivessem atuado na mesma posição em todo o jogo. A análise final englobou um total de 787 observações individuais.

 

Figura 3. Escala de Borg modificada CR-10 (Borg, 1998; imagem não publicada pelos autores).

 

Variáveis situacionais: as variáveis situacionais que atuaram como fatores preditivos da PSE foram: estatuto do jogador (titular; substituto), posição de jogo (defesa central, defesa lateral, médio-centro, médio-ala e avançado), localização do jogo (casa; fora), resultado do jogo (vitória; empate; derrota), marcador final (vantagem de 2 ou mais golos; vantagem de 1 golo; empatado; desvantagem de 1 golo; desvantagem de 2 ou mais golos) e qualidade da oposição. A qualidade da oposição foi calculada com base na classificação final de cada liga, através do método de clusters k-means, pressupondo a definição de 3 grupos distintos. Tendo em consideração que foram analisadas duas épocas, este procedimento resultou na identificação de 9 equipas de alto nível (classificadas nas 4 ou 5 primeiras posições), 10 equipas de nível médio (classificadas entre o 5.º e 9.º lugar, ou entre o 6.º e o 10.º lugar) e 13 equipas de nível baixo (classificadas nas 7 ou 6 últimas posições). Ambas as equipas venceram um total de 34 jogos, empatando 14 e perdendo 12. A análise de cluster revelou tratar-se de equipas de alto nível (3.º e 5.º lugares). Em cada partida, o tempo de jogo dos jogadores também foi registado como variável independente. 

Análise estatística: a importância das variáveis situacionais sobre a PSE foi averiguada através de Regressão de Floresta Aleatória. O modelo mais ajustado incluiu a identidade do jogador, o seu estatuto, o seu tempo de jogo, a sua posição, a localização da partida, o resultado do jogo, o marcador final e a qualidade da oposição como variáveis preditivas. Após apurada a importância de cada variável no modelo, foram criados 2 modelos em função do estatuto do jogador (titular e substituto), englobando as seguintes variáveis: posição, localização da partida, resultado do jogo, marcador final e qualidade da oposição. A variabilidade da PSE em cada variável situacional, em função do estatuto do jogador, foi identificada através de modelos lineares mistos, incorporando as variáveis situacionais como fatores fixos e a identidade do jogador como fator aleatório. Perante a obtenção de efeitos principais significativos, foram ainda corridas comparações de pares com o ajustamento de Bonferroni. O nível de significância definido foi de 5% (p < 0.05).

 

Principais resultados

O modelo de floresta aleatória explicou 52% da variância da PSE dos jovens jogadores após os jogos oficiais. Na globalidade, as variáveis que mais afetaram a PSE dos participantes foram o tempo de jogo, o estatuto e a identidade do jogador. Ao diferenciar jogadores titulares e substitutos, a precisão do modelo baixou. Para os titulares, as variáveis que mais influenciaram a PSE foram a qualidade da oposição, o resultado do jogo e o marcador final; contudo, para os substitutos, o modelo revelou um único preditor forte: marcador final (figura 4).

 

Figura 4. Variáveis passíveis de influenciar a Perceção Subjetiva de Esforço (PSE) de jovens jogadores após jogos oficiais, ordenadas segundo o Decréscimo Médio de Precisão experienciado no modelo com todas as métricas permutadas. Painel superior: todos os jogadores. Painel intermédio: titulares. Painel inferior: substitutos (Marqués-Jiménez et al., 2023).

  

Os modelos lineares mistos revelaram que o resultado do jogo e o marcador final manifestaram efeitos principais significativos tanto para titulares, como para substitutos, no entanto, o efeito da qualidade da oposição foi apenas significativo nos jogadores titulares. As comparações de pares de Bonferroni especificaram as diferenças dos valores médios da PSE para os titulares e para os substitutos. Os titulares manifestaram uma PSE mais alta contra equipas mais fortes e depois de uma derrota por 2 ou mais golos de diferença. Por sua vez, os suplentes utilizados (substitutos) reportaram sensações de esforço mais elevadas na sequência de uma derrota comparativamente a uma vitória, e após uma derrota por 2 ou mais golos de diferença em comparação com uma vitória por 2 ou mais golos.

 

Aplicações práticas

Os resultados desta investigação permitem que os profissionais do treino saibam como é que as variáveis situacionais interagem e afetam a PSE de jovens futebolistas após jogos oficiais, contribuindo para que a prescrição e a adaptação do conteúdo e da carga de treino sejam mais ajustadas após eventos competitivos. 

O tempo de jogo e o estatuto do jogador foram os fatores que mais influenciaram a PSE dos jovens jogadores. Estes dados confirmam que o volume é a componente mais relevante na perceção que os jogadores reportam do esforço realizado. Por norma, os titulares acumulam mais tempo de jogo e mais carga física que os suplentes utilizados. Tendo em atenção que valores elevados de algumas métricas de carga externa predizem os valores de PSE, é fundamental que, no decurso do microciclo semanal, os jogadores, independentemente do seu estatuto em competição, sejam sujeitos a tarefas que exijam ações repetidas de alta intensidade. Contudo, a identidade do jogador também constituiu um forte preditor da PSE, pelo que é essencial equacionar a variabilidade individual na interpretação das escalas do esforço percebido. 

A qualidade da oposição, o resultado do jogo, o marcador final e a interação qualidade da oposição x marcador final foram preditores significativos da PSE dos titulares. Contra equipas mais fortes, as equipas tendem a ter menos posse de bola e a percorrer maiores distâncias em alta intensidade, além de que os técnicos tendem a fazer substituições mais tarde (Gómez et al., 2016). Por outro lado, o resultado no marcador altera as exigências competitivas, pois as equipas em desvantagem, na tentativa de reduzir/atenuar a diferença de golos, tendem a realizar mais atividades sem bola de alta intensidade, de forma a pressionar a equipa oponente, a recuperar a bola mais cedo, aumentando ainda o tempo em posse e o número de situações de ataque. Estas particularidades devem ser acauteladas no processo de treino, já que só assim é possível rentabilizar a performance individual e coletiva face a cenários competitivos distintos. Por exemplo, se a equipa técnica antecipar uma entrada muito forte da equipa adversária, dotada de mais qualidade, pode manipular as circunstâncias situacionais nas sessões de treino para que a equipa fique mais bem preparada para (re)agir em contexto de jogo. 

No caso dos jogadores substitutos, a PSE apenas foi influenciada pelo resultado do jogo e pelo marcador final. Regra geral, as substituições processam-se na segunda parte dos jogos, designadamente no período entre os 60 minutos e o apito final, o que significa que estes jogadores usufruem de pouco tempo para poderem alterar o rumo dos acontecimentos. Os jogadores entram numa fase de pré-fadiga dos titulares, ou quando são adotadas diferentes estratégias no que ao ritmo de jogo diz respeito, pelo que têm de ser capazes de dar uma resposta pronta às elevadas exigências tático-técnicas, físicas e psicossociais da partida. De qualquer maneira, o principal fator que motiva um treinador para efetuar uma ou mais substituições é o resultado corrente do jogo. Comparativamente a situações de vantagem ou igualdade no marcador, os treinadores realizam substituições mais cedo em contextos de desvantagem e, adicionalmente, os jogadores atingem mais frequentemente a sua capacidade física máxima quando estão a perder (Algroy et al., 2021; Castellano et al., 2011; Lago et al., 2010). Deste modo, em contexto de treino, as atividades jogadas podem ser manipuladas de forma que os presumíveis substitutos possam ser mais eficazes quando entram nos jogos oficiais. Supondo que temos um plantel de Iniciados (Sub-15) com 20 elementos (2 guarda-redes + 18 jogadores de campo) e que iremos defrontar uma equipa mais forte na próxima jornada, é possível propor um jogo reduzido/condicionado Gr+7v8+Gr, em meio-campo de Futebol de 11 (50x60m; 176,5 m2/jogador), em que a equipa em superioridade numérica começa o exercício a perder por 2-0 (Figura 5).

 

Figura 5. Jogo reduzido/condicionado Gr+7v8+Gr (50x60m), manipulando o marcador do jogo e permitindo substituições para a equipa em superioridade numérica (imagem não publicada pelos autores).

 

Considerando que esta tarefa tem a duração de 20 minutos, se, aos 10 minutos, a equipa em superioridade numérica permanecer em desvantagem no marcador, entram os 3 jogadores suplentes (entretanto, em tarefas de desenvolvimento técnico-físico), com o objetivo de reverter o marcador. Se, porventura, nos primeiros 10 minutos, a equipa empatar ou alcançar a reviravolta, permite-se duas substituições na equipa em inferioridade numérica e iguala-se a relação numérica (Gr+8v8+Gr). 

Convém entender que a perceção de esforço não é apenas ditada pela discrepância ou pelo equilíbrio entre o feedback sensorial previsto e o real, mas também por outros fatores psicofisiológicos complexos (e.g., concentração hormonal, nível de substrato energético, personalidade, estados psicológicos, motivação, consciência, memória ou experiências prévias, condições climáticas, espetadores, etc.). A PSE também é influenciada pela sensação psicofisiológica dominante, não traduzindo, por vezes, os stresses bioquímico e mecânico provocados pelo esforço. Por este motivo, conhecer a perceção de bem-estar antes do jogo é muito útil para atenuar o “ruído” induzido por variáveis de confusão, como a sensação psicofisiológica dominante.

 

Conclusão

O tempo de jogo, o estatuto e a identidade do jogador foram os preditores mais fortes da PSE dos jovens futebolistas. Além disso, o resultado do jogo e o marcador final tiveram um efeito significativo na PSE dos titulares e dos substitutos, ainda que o efeito principal da qualidade da oposição somente se tenha feito sentir nos titulares. Estes resultados permitem que os treinadores e os outros profissionais do treino compreendam como é que as variáveis situacionais interagem e afetam a PSE após jogos oficiais. Com este tipo de conhecimento, é possível neutralizar alguns efeitos negativos do treino por via de uma conceção e de uma adaptação mais cuidadas dos conteúdos propostos e da carga induzida nos jogadores. A monitorização da carga de treino é essencial no futebol juvenil, não apenas para permitir que os jogadores alcancem altos níveis de desempenho, mas também para preservar a sua saúde a longo prazo e prevenir o abandono precoce.

 

P.S.:

1-  As ideias que constam neste texto foram originalmente escritas pelos autores do artigo e, presentemente, traduzidas para a língua portuguesa;

2-  Para melhor compreender as ideias acima referidas, recomenda-se a leitura integral do artigo em questão;

3-  As citações efetuadas nesta rúbrica foram utilizadas pelos autores do artigo, podendo o leitor encontrar as devidas referências na versão original publicada na revista Psychology of Sport & Exercise.

16/04/2023

O Brighton de De Zerbi, segundo Pep Guardiola: a melhor equipa em ataque posicional do futebol mundial

Há dois dias, Josep (Pep) Guardiola, treinador do Manchester City FC, foi taxativo ao referir que a melhor equipa do futebol mundial a jogar em ataque posicional é o Brighton & Hove Albion FC, de Roberto De Zerbi (figura 1).

 

Figura 1. Roberto De Zerbi, atual treinador do Brighton & Hove Albion FC, 7.º classificado da FA Premier League (fonte: football365.com).

 

O catalão esclareceu que, no presente, não há melhor equipa a levar a bola controlada do setor mais recuado até ao quarto mais ofensivo do campo. Quem acompanha a Premier League e, em particular, o Brighton, sabe que é um conjunto perfeitamente identificado com as ideias do seu treinador: o portador da bola tem de ser capaz de provocar o adversário direto; no centro de jogo, dois ou três jogadores têm de conseguir atrair a pressão defensiva oponente, de modo a libertar espaço para que um jogador mais bem posicionado dê sequência à progressão da bola no terreno de jogo. De facto, na linha de raciocínio de De Zerbi, um posicionamento coletivo criterioso e mobilidade ao nível do centro de jogo, através da dinâmica do terceiro homem, são aspetos indispensáveis para desconstruir ou perturbar a organização defensiva adversária. Atrair, criar (espaço) e explorar. 

Este jogo de provocação ou de atração, por assim dizer, não se esgota, porém, na opção de jogar curto em permanência. Coloquemo-nos no papel de treinador adversário: como é que podemos condicionar uma construção de jogo curta a partir do setor defensivo? Se formos presunçosos, achando que temos jogadores mais fortes que o Brighton, provavelmente encontraremos motivos para recorrer defensivamente a referências individuais, abandonando o método zonal. Foi precisamente o que aconteceu no início do último jogo em Stamford Bridge, entre o Chelsea e o Brighton, com vitória por 2-1 para os visitantes. O clip seguinte mostra os instantes iniciais da partida mais interessantes do ponto de vista estratégico-tático.



 

O Brighton manifestou cedo a intenção de sair curto a partir do guarda-redes e dos centrais, chamando até si a pressão do Chelsea. O Chelsea optou por condicionar individualmente as saídas curtas do Brighton, sendo que um dos atacantes – no caso, Conor Gallagher – procurava apertar o guarda-redes forasteiro e, simultaneamente, fechar a linha de passe para o central do seu lado. Ao fazê-lo, permitiu que o Brighton buscasse, como terceiro homem, esse mesmo central (Veltman), já solto para progredir (figura 2).

 

Figura 2. Saída curta do Brighton face à pressão alta do Chelsea, organizada segundo referências individuais. Com dois passes, o central Veltman ficou de frente para a baliza adversária e com espaço para progressão.

 

Apesar de a bola se ter perdido pela linha lateral, os Seagulls compreenderam as intenções defensivas dos Blue e na jogada seguinte abordaram, deliberadamente, o processo ofensivo de outra maneira: se nos vão pressionar alto com referências individuais, podemos explorar o espaço existente no setor mais recuado do adversário. A figura 3 mostra o guardião espanhol Robert Sánchez a temporizar, pisando a bola.

 

Figura 3. A ação de pisar a bola de Sánchez surge como convite para que a pressão defensiva do Chelsea seja ativada.

 

Na realidade, ele não estava apenas a convidar a pressão adversária, mas também a ler o espaço disponível no setor ofensivo da sua equipa (figura 4). Assim que Gallagher aproxima para pressionar, o guarda-redes já sabe a quem deve endossar a bola (Kaoru Mitoma).

 

Figura 4. Sánchez descobre o espaço disponível e o companheiro de equipa mais bem posicionado para receber a bola (Mitoma). O passe longo permitiu ultrapassar as linhas ofensiva e intermédia do Chelsea.

 

O japonês recebeu a bola e progrediu pelo corredor esquerdo, aparecendo em apoio, vindo de trás, o lateral equatoriano Pervis Estupiñán. Na figura 5, repare-se no potencial ofensivo da jogada do Brighton na chegada à zona de criação de situações de finalização. A superioridade numérica no corredor lateral iria concretizar-se por meio de uma combinação tática direta (overlap).

 

Figura 5. Superioridade numérica no corredor lateral esquerdo e possível situação de 4v4+Gr na chegada à área de penálti do Chelsea.

 

Não havendo vantagem numérica na área de penálti, havia, no entanto, uma situação de vantagem espacial que foi percebida e aproveitada. O passe saiu e Mac Allister não inaugurou o marcador por centímetros (figura 6).

 

Figura 6. Vantagem espacial explorada pelo Brighton e a finalização de Mac Allister saiu à malha lateral exterior da baliza.

 

O que importa extrair desta análise é que os jogadores do Brighton, embora sigam um estilo de jogo claro e com processos muito bem definidos, sabem interpretar o contexto e adaptar os seus comportamentos às oportunidades de ação que são mais vantajosas para a equipa. Dominar e aplicar princípios de jogo flexíveis fomenta a variabilidade e a eficácia coletiva e é isso que torna esta equipa de De Zerbi um exemplo do que é atacar com inteligência e astúcia no futebol moderno. A adoção de um estilo de jogo não implica que se siga apenas uma via (i.e., os mesmos comportamentos) para chegar ao sucesso, pelo contrário. 

Roberto De Zerbi já tinha as suas equipas a praticar um futebol ofensivo distinto no Sassuolo e no Shakhtar Donetsk. Independentemente do que possa vir a fazer no Brighton, ou do rumo que a sua carreira possa vir a tomar, parece-me inequívoco que o italiano é um dos técnicos do futebol de elite com ideias mais criativas e arrojadas. Estou curioso sobre o que poderá fazer quando tiver ao seu dispor outros argumentos em matéria de qualidade individual. O futuro o dirá…