20/03/2020

Artigo do mês #3 – março 2020 | Treinar com inteligência, jogar mais: Perspetivas sobre preparação e participação em jogo numa seleção nacional jovem

Nota prévia: O artigo científico alvo da presente síntese foi selecionado em função dos seguintes critérios: (1) publicado numa revista científica internacional com revisão de pares; (2) publicado no último trimestre; (3) associado a um tema que considere pertinente no âmbito das Ciências do Desporto.

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Autores: Jorge Arede, António Paulo Ferreira, Pedro Esteves, Oliver Gonzalo-Skok, & Nuno Leite
Título: Train smarter, play more: insights about preparation and game participation in youth national team
Revista: Research Quarterly for Exercise and Sport
País: Portugal
Referência:
Arede, J., Ferreira, A. P., Esteves, P., Gonzalo-Skok, O., & Leite, N. (2020). Train smarter, play more: insights about preparation and game participation in youth national team. Research Quarterly for Exercise and Sport. doi: 10.1080/02701367.2019.1693012 (link)

Figura 1. Informações editoriais do artigo do mês #3 - março 2020.

Apresentação do problema
No basquetebol, tal como noutros jogos desportivos coletivos, a preparação para uma competição internacional ocorre em períodos temporais limitados e, geralmente, com um calendário de treinos e jogos bastante concentrado. Neste quadro de constrangimentos, é fundamental selecionar os jogadores mais capazes para preparar os jogos competitivos, com o objetivo de se alcançar o melhor resultado possível. A análise da relação entre a preparação física e os desempenhos em treino e jogo, para predizer a prontidão dos jogadores para treinar e competir, é uma tarefa absolutamente indispensável para o corpo técnico. Embora o tópico tenha sido já investigado em contexto de clube, ao nível de seleções nacionais, a literatura ainda é escassa.

Diversos estudos têm demonstrado que o desempenho físico (e.g., distância percorrida) e a performance técnica (e.g., lançamentos/remates) estão associados ao resultado do jogo. Adicionalmente, evidências prévias mostraram que a preparação envolvendo o sistema cardiorrespiratório e a produção de força pelos membros inferiores influenciam a capacidade de trabalho de alta intensidade que replica a natureza intermitente dos desportos de equipa. Contudo, há ainda alguns resultados contrastantes, indicando, por exemplo, uma fraca associação entre a carga de treino e o desempenho em competição (Gastin et al., 2013).

Portanto, a inexistência de estudos científicos a explorar a relação entre exigências do treino e as exigências do jogo, ao nível das seleções nacionais, faz como que haja um caminho a percorrer no sentido de auxiliar as equipas técnicas a melhorar, por um lado, a seleção dos jogadores e, por outro lado, a própria planificação do processo de treino para as competições internacionais. Os objetivos da presente investigação foram: (i) examinar a relação entre a preparação física e os padrões de atividade, bem como as respostas percetivas durante sessões de treino (n = 19) e jogos particulares/amigáveis (n = 3); e (ii) identificar quais as exigências de movimento e as respostas percetivas das sessões de treino e dos jogos particulares que melhor predizem o estatuto dos jogadores (titular vs. não titular), durante um Campeonato Europeu Sub-16 da FIBA.

Métodos
Amostra: 12 jogadores de basquetebol (idade = 16.02 ± 0.40 anos) selecionados para a seleção nacional de Portugal Sub-16, de forma a participar num estágio de preparação (julho de 2018) para o Campeonato Europeu da categoria.

Procedimentos de recolha de dados: Os dados foram recolhidos no decurso de 19 sessões de treino e 3 jogos particulares (figura 2). A preparação física foi avaliada 3 semanas antes do estágio da seleção nacional num campo de basquetebol indoor (pavilhão desportivo). As variáveis de movimento foram captadas por meio do sistema WIMU PRO (Realtrack Systems, Almeria, Spain). Após o Campeonato Europeu, os jogadores foram divididos em duas categorias – titulares e não titulares –, com base no estatuto evidenciado e nos minutos de jogo acumulados durante a competição.
Figura 2. Cronologia da recolha de dados (Arede et al., 2020).

Variáveis do estudo: A variável dependente do estudo foi o estatuto dos jogadores. As variáveis independentes foram dividas em preparação física (teste intermitente de recuperação Yo Yo – nível 1; salto com contramovimento; teste de agilidade “T”; índice de assimetria dos membros inferiores), exigências de movimento (distância percorrida; acelerações de alta intensidade; desacelerações de alta intensidade; número de impactos corporais; carga individual de treino; pico de velocidade; pico de aceleração; pico de desaceleração), resposta percetiva ao esforço (escala de Borg CR10), dor muscular (Visual Analogue Scale) e estatísticas específicas de jogo (minutos; pontos; assistências; roubos de bola; blocos; ressaltos; eficiência).

Análise estatística: (1) correlação de Pearson para determinar as relações entre a preparação física e as exigências de movimento em sessões de treino e em jogos particulares; (2) decisões baseadas na magnitude (dimensões de efeito) para classificar, qualitativa e quantitativamente, as diferenças entre titulares e não titulares; (3) testes t para amostras independentes para apurar diferenças entre variáveis nos dois grupos de jogadores; (4) análise discriminante para identificar as variáveis que melhor predizem o estatuto dos jogadores em competição.

Principais resultados
A análise comparativa das exigências de movimento entre sessões de treino e jogos particulares revelou correlações quase perfeitas (r = 0.99) nas variáveis distância percorrida, acelerações de alta intensidade, desacelerações de alta intensidade, impactos corporais e carga individual de treino.

Os não titulares realizaram melhores performances no teste intermitente de recuperação Yo Yo – nível 1 e no teste de agilidade “T”, enquanto os titulares apresentaram menor assimetria nos membros inferiores e melhor desempenho no salto com contramovimento. À exceção da dor muscular pós treino, os jogadores não titulares obtiveram valores mais elevados nas atividades de movimento e nas respostas percetivas, tanto nas sessões de treino, como nos jogos particulares. Os titulares, porém, foram melhores na maioria das estatísticas de jogo, excluindo blocos e ressaltos.

Por fim, o modelo resultante da análise discriminante identificou algumas variáveis de jogos particulares (desaceleração de alta intensidade, roubos, eficiência e minutos), a dor muscular pós treino e a altura do salto com contramovimento como sendo os fatores que diferenciaram os jogadores que atuaram mais minutos (vs. aqueles que jogaram menos), nas partidas do Campeonato Europeu da FIBA.

Implicações práticas
Ao se preparar uma competição internacional importa dispor de dados de índole diversa, que possibilitem uma avaliação holística, ou multidimensional, de todos os jogadores em observação (ou já selecionados). Neste contexto, fatores técnicos e táticos, que não aqueles estritamente associados às exigências de movimento, são cruciais para determinar o tempo de jogo competitivo individual (figura 3).


Figura 3. Seleção de Portugal em competição no Campeonato Europeu Sub-16 da FIBA, em 2018.
(fonte: Twitter da Federação Portuguesa de Basquetebol)

As estatísticas específicas obtidas em jogos particulares internacionais, designadamente as de caráter ofensivo, diferenciaram os jogadores que tiveram mais minutos no Campeonato Europeu. Possuir inteligência de jogo e capacidades percetivo-motoras mais refinadas são plausíveis para explicar o facto de jogadores mais utilizados não terem a necessidade de percorrer maiores distâncias, comparativamente aos menos utilizados. Por outras palavras, os titulares são mais eficientes, o que, de forma alguma, deve ser confundido com displicência.

Os jogadores de basquetebol com maior capacidade de salto tendem a exibir habilidades ofensivas e de recuperação de posse de bola mais eficazes, embora isso também acarrete danos musculares mais pronunciados decorrentes das sessões de treino. Esta última evidência deve ser acautelada pelos treinadores no processo de preparação dos jogadores e da equipa para a competição.

Conclusão
O estatuto adquirido por jovens jogadores de basquetebol no Campeonato Europeu de Sub-16 foi influenciado por diversos indicadores recolhidos em fases distintas de preparação para a competição. Algumas variáveis afetas à performance em jogos particulares internacionais, a dor muscular pós treino e a altura de salto com contramovimento discriminaram os titulares dos não titulares no evento. Desta maneira, os indivíduos que saltam mais alto, que apresentam melhores estatísticas e mais minutos em jogos particulares podem ter uma probabilidade mais elevada de ser titulares no Campeonato Europeu, ainda que fiquem aquém dos não titulares nas exigências de movimento manifestadas em treino e em jogos de preparação.


P.S.:
1-  As ideias que constam neste texto foram originalmente escritas pelos autores do artigo e, presentemente, traduzidas para a Língua Portuguesa;
2-  A leitura deste texto não dispensa a leitura integral do artigo em questão;
3-  As citações efetuadas nesta rúbrica foram utilizadas pelos autores do artigo, podendo o leitor encontrar as devidas referências na versão original publicada no Research Quarterly for Exercise and Sport.

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