27/06/2014

Um olhar sobre as confederações nos oitavos de final dos Campeonatos do Mundo da FIFA

Associadas ao organismo que tutela o futebol à escala planetária – FIFA – surgem 6 confederações continentais:

· AFC - Asian Football Confederation
· CAF - Confédération Africaine de Football
· CONCACAF - Confederation of North, Central American and Caribbean Association Football
· CONMEBOL - Confederación Sudamericana de Fútbol
· OFC - Oceania Football Confederation
· UEFA - Union des Associations Européennes de Football

O exercício que proponho é analisarmos os valores relativos (percentagem) de seleções apuradas, por cada confederação, para os oitavos de final dos campeonatos do mundo da FIFA, organizados entre 1990 e 2014 (gráfico 1).

Gráfico 1. Percentagem de seleções apuradas, por confederação continental, 
para os oitavos de final dos campeonatos do mundo da FIFA, entre 1990 e 2014.
(p.f., clique para ampliar).

A observação do gráfico permite-nos constatar, de imediato, que as equipas europeias predominam, com regularidade, na fase final da prova. Contudo, a preponderância das seleções da UEFA perdeu expressão nestes dois últimos mundiais (África do Sul e Brasil), com um decréscimo das 10 seleções apuradas para os «oitavos» no Alemanha 2006 para as 6 que seguiram em frente nos campeonatos do mundo da África do Sul (2010) e do Brasil (2014).

Em sentido inverso, aparecem as confederações CONMEBOL (América do Sul), CONCACAF (América do Norte, Central e Caraíbas) e CAF (África). Desde o campeonato da Coreia/Japão, em 2002, o número de seleções sul-americanas aumentou paulatinamente das duas até se fixar nas 5 equipas apuradas para os «oitavos» nos mundiais mais recentes. Quiçá este facto seja, em parte, consequência de uma aposta crescente dos clubes europeus no mercado sul-americano; o número de futebolistas oriundos da América do Sul nas principais ligas europeias é reconhecidamente elevado. Este fenómeno é especialmente gravoso para as seleções europeias, porque nos clubes prescinde-se da aposta em jovens talentos da formação em prol de jogadores sul-americanos, muitas vezes de qualidade duvidosa.

O número de seleções da CONCACAF presentes nos «oitavos» dos mundiais tem oscilado entre uma e duas. No Brasil, e pela primeira vez na história dos mundiais, verificou-se o apuramento de três seleções para a fase final do evento (México, Costa Rica e E.U.A.). Estou em crer que este feito assinala uma evolução brutal da modalidade, nas últimas décadas, nos países desta confederação continental. Quanto à confederação africana (CAF), o registo tem sido constante: uma seleção apurada para os «oitavos» em cada mundial. No Brasil, porém, o número dobrou, com a Nigéria e a Argélia a seguirem em frente na prova.

As restantes confederações conhecem traçados distintos. A confederação asiática (AFC) oscilou, nos derradeiros 5 mundiais, entre zero e duas seleções apuradas para os «oitavos» e a Oceania (OFC) praticamente não possui historial nesta fase da competição, excetuando o apuramento conquistado pela Austrália na Alemanha, em 2006. No cômputo geral, o gráfico permite-nos concluir que é real e progressiva a tendência de aproximação do número de seleções apuradas por confederação continental. Esta evidência reflete a expansão e a globalização do futebol nos tempos mais recentes. As discrepâncias que havia antigamente estão a diminuir e os resultados das seleções nesta competição mundial traduzem um maior equilíbrio. Veremos o que acontece daqui a 4 anos, no regresso da grande competição ao velho continente (Rússia).


PS - Relativamente à participação da seleção portuguesa neste campeonato do mundo do Brasil, há um ditado popular que se aplica na perfeição: «o que nasce torto, tarde ou nunca se endireita». 

22/06/2014

Análise das grandes penalidades na Liga Portuguesa 2013/2014: Parte 2

Na publicação anterior foi mencionada a importância das grandes penalidades no futebol moderno. Quando estão na origem de 15% da totalidade dos golos concretizados numa liga profissional, é expectável que estas situações fixas do jogo sejam analisadas e trabalhadas no decurso do processo de treino. Na segunda parte da análise das grandes penalidades registadas na Liga Portuguesa 2013/2014, procuraremos perceber (1) quais foram as zonas preferenciais de remate, (2) se houve diferenças em função da lateralidade e da posição desempenhada pelo jogador e (3) se a marcação e o êxito da grande penalidade variou em função de variáveis contextuais do jogo (local, resultado corrente e período do jogo).

Figura 1. Grande penalidade: Evandro vs. Helton na liga portuguesa 2013/2014.

Neste estudo, a baliza foi dividida em 8 zonas de igual dimensão (4 superiores e 4 inferiores), conforme proposto por Palao et al. (2010). A figura 2 exibe os resultados das grandes penalidades, em função da zona alvo de remate.

Figura 2. Resultado das grandes penalidades da liga portuguesa 2013/2014, em função da zona alvo de remate. 
(p.f., clique para ampliar)

Na perspetiva do jogador que converte o castigo máximo, o canto inferior esquerdo (zona 1) foi a zona preferencial de remate (44 penalidades; 43,1%). O canto inferior direito (zona 4) surge com 26 penáltis convertidos nessa direção (25,5%). As restantes penalidades foram batidas para as outras zonas da baliza, embora não se tenha registado qualquer ocorrência para a zona 6. Os remates foram dirigidos à metade inferior da baliza em 81,4% das ocorrências; 18,6% foram direcionados para a metade superior. Apenas uma grande penalidade foi defendida pelos guarda-redes (GR) na metade superior da baliza, ainda que nas zonas superiores aumente a incidência de grandes penalidades falhadas (15,8% vs. 2,4% nas zonas inferiores). No cômputo geral, os jogadores foram mais eficazes a rematar para as zonas 2 (100%), 1 (86,4%), 5 e 8 (85,7%).

Como era esperado, a maioria das grandes penalidades foi marcada por jogadores destros (86,3%). No entanto, contrariando a perceção de muitos treinadores e analistas, os jogadores esquerdinos foram mais eficazes da marca dos 11 metros (85,7% vs. 81,8% pelos destros). Na figura 3 podemos observar a distribuição das grandes penalidades, o número de golos e a eficácia por zona alvo de remate, em função da lateralidade (i.e., pé esquerdo ou direito) dos jogadores.

Figura 3. Distribuição das grandes penalidades (n), número de golos e eficácia por zona alvo de remate, em função da lateralidade dos jogadores (e.g., Esq. 8 – pé esquerdo, zona 8; Dir. 3 – pé direito, zona 3). 
(p.f., clique para ampliar)

A zona alvo preferencial dos jogadores destros foi a 1 (44,3%), seguida da 4 (26,1%). Destaco ainda a preferência dos destros em rematar para o seu lado esquerdo (zonas 1 e 8 – 51,1%), comparativamente ao lado direito (zonas 4 e 5 – 30,7%). Os jogadores canhotos proporcionaram uma distribuição muito mais homogénea pelas zonas alvo da baliza. Independentemente da lateralidade, os jogadores marcaram mais golos quando dirigiram o remate para a zona 1 (38 golos). Curiosamente, quer destros quer canhotos, foram mais eficazes a rematar para a zona 1. Apesar de estar mais centralizada, a zona 2 foi a única que determinou valores máximos de eficácia (i.e., 100%) para indivíduos esquerdinos e destros. Ao invés, a eficácia foi mais baixa quando os indivíduos canhotos optaram por converter o penálti para a zona 4 (33,3%).

No que respeita às posições ocupadas pelos jogadores especialistas na conversão de grandes penalidades, os avançados foram sem surpresa os mais selecionados (55 penáltis), seguidos pelos médios (44) e pelos defensores (3). Embora os avançados tenham concretizado mais golos que os médios (44 vs. 39), estes últimos foram mais eficazes que os dianteiros (88,6% vs. 80%). Por seu turno, os defensores justificaram porque são pouco selecionados pelos treinadores para cobrarem este tipo de bolas paradas: 1 golo em 3 penáltis (33,3%). A figura 4 oferece-nos uma boa perspetiva sobre a distribuição das grandes penalidades, o número de golos concretizados e a eficácia por zona alvo de remate, em função da posição dos jogadores.    

Figura 4. Distribuição das grandes penalidades (n), número de golos e eficácia por zona alvo de remate, em função da posição dos jogadores (D – Defesa; M – Médio; A – Avançado).
(p.f., clique para ampliar)

Podemos constatar que os médios foram mais eficazes que os avançados nos 4 cantos da baliza (zonas 1, 4, 5 e 8), o que não deixa de ser estranho visto os avançados serem, habitualmente, sujeitos com maior aptidão para finalizar. Comparando com os outros cantos da baliza, o canto inferior esquerdo (zona 1) foi a zona alvo na qual, tanto médios como avançados, obtiveram eficácias de remate mais elevadas.

A tabela 1 mostra o resultado das grandes penalidades, em função de três variáveis contextuais: local da partida (casa vs. fora), resultado corrente (vantagem, empate ou desvantagem) e período do jogo (1: 00’01 – 22’30; 2: 22’31 – 45’00; 3: 45’01 – 67’30; 4: 67’31 – 90’00). 

Tabela 1. Resultados das grandes penalidades da liga portuguesa 2013/2014, em função das variáveis contextuais: local, resultado corrente e período do jogo (p.f., clique para ampliar).

As equipas dispuseram de um maior número de castigos máximos na condição de visitados, relativamente à condição de visitante (55,9% vs. 44,1%). Os jogadores foram também mais eficazes a rematar no seu próprio terreno, obtendo 50 golos na condição de visitado contra os 34 alcançados em terreno alheio. Os guarda-redes também defenderam mais penáltis enquanto visitados. As evidências suportam a existência de uma vantagem proporcionada pelo fator casa no desempenho dos jogadores nestas situações estáticas do jogo.

Os árbitros assinalaram mais grandes penalidades com o jogo empatado (51%), havendo, posteriormente, um maior número de castigos máximos para equipas em desvantagem no marcador (27,4%) e, por último, para equipas em vantagem (21,6%). Os jogadores foram mais eficazes quando o jogo estava empatado (90,4%), acusando mais pressão da marca dos 11 metros em contexto de score desfavorável (71,4%). Finalmente, a distribuição das grandes penalidades e o número de golos concretizados foram homogéneos pelos 4 períodos do jogo definidos.

Este estudo pressupôs uma breve análise descritiva do que se passou na liga portuguesa 2013/2014, em matéria de grandes penalidades. A amostra é limitada e não permite representações fidedignas do que sucede noutras competições nacionais ou internacionais. Os dados devem, por isso, ser interpretados com muita cautela. Os treinadores devem propor tarefas de treino que visem desenvolver as competências dos jogadores e dos guarda-redes nas grandes penalidades e não encarar estas situações como uma mera “lotaria”, no qual o fator sorte reina. De acordo com os resultados obtidos, os jogadores são aconselhados a marcar as grandes penalidades para os cantos da baliza (zonas 1, 4, 5 e 8), diversificando a direção do remate e, de preferência, procurando visar a metade superior da baliza. Os guarda-redes devem perceber (1) que o jogador que bate o penálti tem vantagem da marca dos 11 metros (8 em cada 10 penalidades são golo) e (2) os jogadores destros apresentam uma maior tendência para rematar para o seu lado esquerdo (zonas 1 e 8), enquanto que os jogadores canhotos são mais imprevisíveis e ligeiramente mais eficazes.  

Referência
Palao, J. M., López-Montero, M., & López-Botella, M. (2010). Relationship between efficacy, laterality of foot strike, and shot zone of the penalty in relation to competition level in soccer. International Journal of Sport Science, 6(19), 154-165.

28/05/2014

Análise das grandes penalidades na Liga Portuguesa 2013/2014: Parte 1

As grandes penalidades são situações fixas muito peculiares num jogo de futebol. O confronto entre o jogador responsável pela marcação, geralmente um especialista neste tipo de lances, e o guarda-redes adversário gera um enorme entusiasmo e, não raramente, expectativas opostas: “vai marcar”, “vai falhar”, ou “o guarda-redes defende esta”. São, por isso, eventos muito interessantes e que decidem, por vezes, o desfecho final de uma partida. Na última edição da Liga Portuguesa – Liga ZON Sagres 2013/2014 – foram marcados 84 golos de grande penalidade, cerca de 14,8% da totalidade dos golos concretizados, nas 30 jornadas, pelas 16 equipas (569 golos).

Neste âmbito, procurei compilar uma série de dados que demonstrasse, de uma forma muito sintética, qual o rendimento obtido por cada equipa, no que se refere à marcação de grandes penalidades, na liga portuguesa 2013/2014 (tabela 1).

Tabela 1. Grandes penalidades a favor e contra: o rendimento das equipas na liga portuguesa 2013/2014.
(p.f., clique para ampliar)

O Porto (13), o Sporting e o Vitória de Setúbal (11) foram as três equipas que mais grandes penalidades tiveram a seu favor; ao invés, a Académica (3), o Rio Ave e o Paços de Ferreira (2) foram os conjuntos que dispuseram de menos grandes penalidades. De resto, a Académica (9), o Estoril, o Rio Ave e o Olhanense (8) tiveram mais grandes penalidades assinaladas contra si, enquanto que os três grandes (Benfica, Sporting e Porto) e o Belenenses foram as equipas que viram os árbitros conceder menos grandes penalidades aos seus adversários (4).

No topo das equipas mais concretizadoras da marca dos 11 metros estão o Sporting e o Porto, com 10 golos. Em contexto inverso, o Rio Ave, o Belenenses e o Paços de Ferreira apenas marcaram 2 golos nesta edição da liga. O Nacional e o Arouca (5 golos em 5 penáltis), o Guimarães e o Olhanense (4 golos em 4 penáltis), a Académica (3 golos em 3 penáltis) e o Rio Ave e o Paços de Ferreira (2 golos em 2 penáltis), respetivamente, foram as equipas mais eficazes nestas situações de bola parada, todas com 100% de aproveitamento. Em seguida, surgiu o Sporting com uma eficácia de 90,9% (10 golos em 11 episódios). Nas grandes penalidades contra, o Braga sofreu golo em apenas 42,9% das tentativas dos oponentes (3 golos em 7 penalidades contra), sendo que o Estoril apenas sofreu golo em metade (50%) dos penáltis assinalados para os adversários (4 golos em 8 penalidades contra).

Passemos agora à análise do desempenho individual dos jogadores que marcaram as grandes penalidades (tabela 2).

Tabela 2. Grandes penalidades marcadas: o rendimento dos jogadores na liga portuguesa 2013/2014.
(p.f., clique para ampliar)

Para evitar publicar uma tabela demasiado longa, decidi retirar todos os jogadores que apenas “bateram” uma grande penalidade. Nesta lista, 60,9% são avançados (incluindo extremos) e 39,1% são centrocampistas. O médio sportinguista Adrien Silva foi o jogador que mais golos marcou de grande penalidade na liga portuguesa 2013/2014 (7 golos). O jogador mais eficaz foi, no entanto, o médio Evandro do Estoril, com 6 golos marcados em outros tantos penáltis. Pela negativa, destaco os avançados portugueses Hugo Vieira (Gil Vicente), Ricardo Horta (Vitória de Setúbal) e Ricardo Quaresma (Porto), respetivamente, todos com eficácias de remate dos 11 metros iguais ou inferiores a 60%.

No que diz respeito à performance dos guarda-redes, os resultados constam na tabela 3.

Tabela 3. Grandes penalidades contra: o rendimento dos guarda-redes na liga portuguesa 2013/2014.
(p.f., clique para ampliar)
 

O português Ricardo Nunes (Académica) foi o guarda-redes que mais participou em grandes penalidades, na edição 2013/2014 da principal competição portuguesa de futebol. Porém, será que foi o “rei dos penáltis” conforme noticiou o jornal Record, no dia 13 de abril de 2014?

Figura 1. Ricardo Nunes: o "rei dos penáltis" (fonte: Record online, 13 de abril de 2014).

De facto, Ricardo Nunes (Académica), juntamente com Vagner (Estoril) e Eduardo (Braga), foi dos guarda-redes que mais penáltis defendeu (2), contudo, a avaliar pela eficácia defensiva, o título de “rei dos penáltis” deveria ser entregue a Eduardo (Braga), com 2 penáltis defendidos em 5 ocasiões, seguido de Vagner (Estoril), com 2 defesas em 6 castigos máximos. Destaco, ainda, os guarda-redes portugueses João Manuel (Estoril, 20 anos), Ricardo Ribeiro (Estoril, 24 anos) e Ventura (Rio Ave, 26 anos), pois obtiveram 100% de eficácia em situações de grande penalidade (1 penálti defendido cada). Curiosamente, os três guarda-redes do Estoril defenderam penáltis, garantido, para o seu clube, a melhor proteção da baliza na liga portuguesa 2013/2014, no que respeita a esta tipologia de eventos de bola parada.

A primeira parte desta análise fica assim concluída. Em breve, talvez no decurso do próximo mês, será publicada a segunda parte, que incluirá dados mais específicos acerca do desempenho dos jogadores (zonas de remate, lateralidade do jogador, etc.) e algumas informações sobre variáveis contextuais (localização, resultado corrente, etc.) dos jogos em que ocorreram episódios de grande penalidade.

Fiquem atentos.

15/04/2014

Formação «A utilização dos Jogos Reduzidos/Condicionados no treino de futebol»

Um evento que visa estabelecer a ponte entre a ciência e a prática no que respeita à utilização de Jogos Reduzidos/Condicionados (JRC) no processo de treino do futebol.

Imagem: Cartaz da formação (p.f., clique para ampliar). 


Imagem: Programa da formação (p.f., clique para ampliar). 

Objetivos da formação
· Dar a conhecer os fundamentos científicos que suportam os JRC como método profícuo para o treino do futebol;

· Conceder aos formandos um corpo de conhecimentos que os torne autónomos e competentes na estruturação e gestão de JRC no processo de treino;

· Promover o debate com os formandos, no intuito de os sensibilizar para a adoção de metodologias de treino/ensino mais adequadas à realidade em que estão inseridos (futebol de formação, futebol sénior amador ou profissional);

· Inaugurar um ciclo de formações no âmbito do futebol, homologadas pelo Instituto Português de Desporto e Juventude (IPDJ), no sentido de contribuir para a formação contínua dos treinadores em Portugal e para a renovação dos respetivos Títulos de Treinador de Desporto.

Para mais informações:

08/04/2014

A variação da população residente no concelho de Monchique entre 1911 e 2011. Que futuro nos espera?

É noite na vila. Deserto. O ar circula livre entre canais formados por paredes que, outrora, albergaram movimento, som e alegria. O dia traz-nos estabelecimentos comerciais encerrados, agora abandonados pelo tempo e vivos apenas na memória de alguns resistentes. Os que ainda por cá andam fazem-no cabisbaixos, conscientes da gravidade da doença de que o concelho padece. Os novos fogem, em busca de esperança, sustento, “ganha-pão”. Os mais velhos ficam porque têm na terra as suas raízes, as suas rotinas e a sua energia. E é nesta mesma terra que depositarão o seu bem mais precioso: a vida. Curioso: enquanto uns saem em busca de melhor sorte, outros ficam para contrariar a fatalidade do destino. Nenhum dos cenários é bom, se pensarmos a médio ou a longo prazo.

Sou de Monchique, sempre tive orgulho em sê-lo e, como qualquer cidadão comum, tenho as minhas preocupações, os meus desejos e as minhas utopias. No que diz respeito à minha terra, desejava que a realidade fosse outra: mais população jovem, dinâmicas sociais, comerciais e culturais mais cativantes, e perspetivas otimistas para o futuro. Mas factos são factos e não são propriamente motivo de regozijo. Atualmente, o Agrupamento de Escolas de Monchique conta, pela primeira vez na história, com menos de 500 alunos no concelho (i.e., contabilizando os jardins de infâncias, as escolas do ensino básico e a escola básica 2,3 de Monchique). Fala-se, insistentemente, no fecho de serviços como o Tribunal e as Finanças. Dia após dia, é ouvir os sinos a tocar; a porta da igreja da misericórdia exibe, cada vez mais frequentemente, um, dois, às vezes, três retratos. Os jovens, não encontrando emprego e habitação/terreno para o seu bolso, debandam para outras paragens; como disse, «buscam melhor sorte». Quem os pode censurar?

Posto isto, o que está a acontecer à população residente no concelho de Monchique? O que foi antigamente este concelho em termos populacionais? Estas foram as questões que coloquei e decidi pesquisar um pouco. Os resultados encontram-se expressos no gráfico 1.

Gráfico 1. Evolução da população residente no concelho de Monchique em 100 anos (1911 – 2011).
(fonte: www.ine.pt; p.f., clique para ampliar)

Os dados foram obtidos dos Recenseamentos gerais/Censos da população portuguesa, cujos documentos (pdf) podem ser encontrados no site do Instituto Nacional de Estatística. Como podemos verificar, entre 1911 e 1940, houve um crescimento da população residente no concelho de Monchique até ao valor máximo de 15028. Entre 1940 e 1960, a população estabilizou em torno deste número para, a partir de 1960 até 2011, sofrer um decréscimo gradual e abrupto até às 6045 pessoas. Como explicar o fenómeno?

Estou em crer que muito terá a ver com as alterações que a própria sociedade portuguesa veio a sofrer ao longo destes 100 anos. Localmente, a partir de 1960, passámos de uma economia centrada no setor primário – agricultura, pecuária, caça e indústrias extrativas (madeira, cortiça) – para uma economia progressivamente mais centrada no setor terciário – turismo, comércio, restauração e serviços locais (finanças, administração autárquica, etc.). Por outro lado, com a melhoria da rede viária e o acesso facilitado a viaturas próprias, a população ficou dotada de maior mobilidade, deixando também de estar tão isolada. Quiçá inadvertidamente, este paradigma promoveu o êxodo rural. Além disso, o crescente ingresso de estudantes nos ensinos secundário e superior, fomentou a saída de muita população jovem do concelho para outros locais do país, nomeadamente para pólos populacionais de maior dimensão (Portimão, Faro, Lisboa, etc.). A tendência natural é para quem vai já não voltar. Estes e outros fatores contribuíram/contribuem para que no concelho de Monchique haja menos pessoas a residir, década após década.

Observemos a Taxa de Variação Populacional no concelho de Monchique no século em análise (tabela 1).

Tabela 1. Variação populacional no concelho de Monchique entre 1911 e 2011 
(valores relativos - % - na linha superior e valores absolutos na linha inferior, em relação à década anterior; p.f., clique para ampliar).

Somente em três décadas se constatou um crescimento populacional em Monchique: entre 1921 e 1930 (12,01%), entre 1930 e 1940 (6,15%) e entre 1950 e 1960 (0,76%). O período de 30 anos, entre 1960 e 1991, foi negro a nível demográfico para o concelho. Por década, o decréscimo médio de população residente foi de 20,88% (i.e., média de - 2490 indivíduos/década). Se compararmos diretamente a população de Monchique nos anos de 1960 e de 1991, verificamos que houve um decréscimo abrupto de 7470 pessoas, o que corresponde a uma perda de 50,54% da população no concelho. Entre 1991 e 2001, o decréscimo populacional abrandou substancialmente (- 4,58%), para, na década seguinte (2001-2011), voltar a ser mais pronunciado: - 13,32%.

Então, o que esperar dos próximos censos em 2021? Tendo em consideração que, em 2011, 31,7% da população residente em Monchique tinha 65 ou mais anos e que o número de óbitos tem sido assinalável (mesmo comparativamente ao número de nascimentos), as perspetivas não são nada animadoras. Talvez para o governo sejam, atendendo à importância que atribui aos números no que toca à arte de «cortar». Quem sabe se depois da fusão de freguesias, não vem a fusão de concelhos…

Por isso, é urgente que se tomem medidas para travar este flagelo associado à maioria dos concelhos do interior. O esforço não pode advir apenas da administração local; o comprometimento das instâncias governamentais centrais é fulcral neste processo. Neste sentido, a fixação de população jovem (promoção de habitação e/ou lotes de terreno a custos controlados) e a criação de postos de emprego (captação de investimento privado, apoio ao empreendedorismo empresarial, aposta no turismo rural/de natureza, incentivo à exportação de produtos locais de referência, etc.) são dois eixos de orientação essenciais para que se possa obter algum sucesso. Ignorar a realidade atual será o garante de que o que parece ser inevitável se concretize: o desaparecimento do concelho de Monchique como (ainda) o conhecemos.