03/04/2010

"One-Touch Playing": um meio para potenciar o sucesso da posse de bola

Segundo Lemoine, Jullien, & Ahmaidi (2005), o futebol moderno tem especial consideração pelas estratégias defensivas, pelo que os atacantes têm menos espaço livre e, consequentemente, marcar golo torna-se, progressivamente, mais complicado. Nesta linha de raciocínio, os autores sustentam, após a análise e observação de jogos reduzidos, que recorrer ao "jogo a um toque" ("one-touch playing") permite que os atacantes joguem mais depressa e, por inerência, possam ultrapassar os defensores antes de rematar para golo.

Mais concretamente, o propósito do estudo de Lemoine et al. (2005) foi investigar um estilo de jogo frequente no futebol, que consiste na execução de passes sem tempo para controlar a bola. Na perspectiva de Herbin & Rethacker (1976; citados por Lemoine et al.), jogar a um toque "implica modificar, instantaneamente, a trajectória da bola em direcção a um companheiro de equipa, através da realização de um passe com a bola em movimento" (2005: 83). Embora tenham sido identificados três tipos de informação: espacial, de acção e temporal, apenas nos iremos debruçar sobre a informação espacial, que se refere à direcção na qual a bola é passada. O estudo envolveu jogos reduzidos 5 contra 5, num espaço de 50x25m, durante 4 minutos e com a obrigatoriedade, somente para uma equipa, de jogar a um toque. Esta opção estratégica apresenta uma complexidade superior a combinações "um-dois" ou "um-dois-três" toques, sendo um passe contabilizado quando é realizado com êxito, isto é, quando permite à equipa continuar a jogar a um toque.

Posto isto, Lemoine et al. (2005) analisaram 40 ataques e os resultados, estatisticamente significativos, demonstraram que os atacantes constroem um "espaço efectivo de jogo" que garante a simplicação da comunicação entre eles. Na organização do processo ofensivo, os atacantes dão várias possibilidades, quer atrás ou à frente, ao portador da bola, movendo-se em simultâneo. O facto de em 67,5% dos casos não existir modificação do tipo de ataque entre dois momentos, evidencia que os atacantes mantêm estruturas espaciais seguras para circular a bola até ao remate. Então, produzem uma redundância evolutiva no ataque, podendo o jogo a um toque desenrolar-se em frente aos defensores, devido à estabilidade informacional e espacial. Os atacantes criam uma circulação rápida e constante a um toque que permite ultrapassar a organização defensiva adversária. Portanto, este tipo de jogo é caracterizado por uma rápida transmissão espacial da bola, a qual é antecipada, optimizada e estabilizada. O jogador que não está em posse da bola antecipa o seu posicionamento para fomentar a evolução da sequência ofensiva a um toque, passando a bola de forma instantânea.

Para além disso, Lemoine et al. (2005) verificaram que, para chegar à baliza, a combinação de jogo a um toque implica uma circulação de bola a duas etapas: 1) a primeira é regular entre T3 (primeiro passe a um toque) e T1 (terceiro passe a um toque), que corresponde à construção de jogo, mantendo a estabilidade do espaço efectivo de jogo e 2) a segunda que é muito curta (T1) e expõe uma modificação radical de ritmo, uma aceleração que permite ao ataque ultrapassar a defesa de uma vez por todas e que, por ocorrer com um passe instantâneo, suprime as possibilidades de reorganização defensiva adversária (figura 1). Ao medir a informação espacial, os autores apuraram que, durante a acção de finalização, a defesa está frequentemente em perseguição, pois não consegue preencher o espaço e o défice de tempo imposto pelo ataque contrário.

Figura 1. Modelo de jogo a um toque ("one-touch playing"). A1: atacantes próximos a privilegiar a largura; D1: defensores próximos cobrindo a largura; D3: defensores dispersos em profundidade (Lemoine et al., 2005).


Num jogo com toques ilimitados na bola, a segunda etapa do ataque é fortemente influenciada pela improvisão dos jogadores não afectos a soluções pré-estabelecidas. Como meio de treino, o jogo a um toque é uma escolha muito interessante, pois não modifica as leis operativas do jogo aquando da criação de situações de finalização. Os atacantes utilizam os mesmos princípios tácticos para se libertarem das marcações adversárias e se dirigirem à bola, no intuito de antecipar as acções dos defensores.

Por outro lado, a análise da circulação da bola mostra que a distribuição dos espaços explorados é praticamente estável. Os atacantes passam a bola quase sempre na mesma direcção com rotinas idênticas, ou seja, do ponto de vista técnico, o movimento da bola depende de acções sistemáticas de passe na direcção oposta do passe precedente, privilegiando um "jogo oblíquo" a um "jogo directo" (Lemoine et al., 2005). Estes resultados confirmam um dos sentimentos dos treinadores, quando afirmam que os jogadores devem "construir passes que não são apenas uma transmissão da bola, mas que, face à confusão que geram no sistema adversário, modificam o cariz do jogo " (Laurier, 1993; citado por Lemoine et al., 2005: 100). Os dados corroboram ainda a perspectiva do "conhecimento do terreno de jogo" descrito por Mombaerts (1991), citado por Lemoine et al., ao referir que quando "a bola circula rapidamente, sistematicamente e com movimentos multi-passe de um jogador para um parceiro de equipa, os defensores aparentam serem incapazes de tomar uma decisão e de ler as acções ofensivas que se associam demasiado depressa" (2005:100).

Sumariamente, Lemoine et al. (2005) concluíram que jogar a um toque é eficiente, fiável e seguro. Os atacantes organizam-se a si próprios para alterar as estruturas espaciais ao mínimo, sendo que os seus movimentos modificam ligeiramente o espaço efectivo de jogo e são, essencialmente, orientados na direcção da baliza. Tudo é feito para que, dentro de um contexto estável, criado e mantido pelos atacantes, a bola circule sistematicamente para um companheiro de equipa, na direcção oposta ao movimento do adversário, o que a torna difícil de reconquistar pelos defensores. O recurso ao passe a um toque permite a simplicação da troca de informação entre companheiros de equipa. O ganho de tempo é também amplificado pelo imediatismo do passe, o qual incrementa o potencial de penetração dos atacantes na organização defensiva adversária. Quando os atacantes seleccionam o jogo a um toque numa configuração momentânea de jogo, aderem a "um autêntico projecto colectivo de jogo", que requer a antecipação da tomada de posse dos espaços livres para que se estabeleça uma circulação constante, sistemática e contra o movimento da defesa, recorrendo a informações muito claras e elementares derivadas de um jogo simplificado.

Referência Biliográfica: Lemoine, A., Jullien, H., & Ahmaidi, S. (2005). Technical and tactical analysis of one-touch playing in soccer: Study of the production of information. International Journal of Performance Analysis in Sport, 5(1), 83-103.

09/03/2010

Da Ginástica à Culinária em meio-tempo

A ginástica é uma matéria não muito apreciada pela maioria dos alunos de Educação Física, especialmente quando não apresentam determinadas competências básicas adquiridas. Nas turmas do 1º Ciclo que lecciono esse facto não se verifica. Os miúdos gostam mesmo de ginástica.

Numa aula recente de Actividade Física e Desportiva do 3º ano constavam as matérias de basquetebol e ginástica. Na instrução do circuito questionei os alunos sobre os elementos gímnicos que o compunham. Os alunos rapidamente identificaram os rolamentos à frente e à retaguarda, a roda, a ponte e o salto ao eixo, contudo instalou-se a dúvida sobre qual seria o último elemento abordado na aula anterior. Após um brevíssimo período de silêncio, uma aluna ergueu subitamente a voz:

- "Ahh, já me lembro!"

- "Ok, então qual é o elemento?"

Com o dedo indicador em riste, a aluna disparou triunfalmente: - "É a cambalhota salteada!"

Da ginástica havíamos passado para um restício de memória de um qualquer "salteado" perdido nos confins dos lobos temporais do seu cerébro. As crianças são mesmo assim: evocam aquilo que está "à mão de semear". Aos colegas passou-lhes completamente ao lado; nem uma ténue reacção. Provavelmente ainda não experienciaram nem ouviram falar de legumes salteados.

E assim continuámos num rol de cambalhotas para a frente, para a retaguarda e saltadas, "salteadas" num mundo ingénuo, onde só as crianças conseguem ser genuinamente engraçadas.

26/02/2010

O Cuidar de Ser ou Não Ser

Há tempos, um professor afirmou que todos os seres humanos têm um (ou mais) núcleo(s) de excelência (por exemplo, pintar, jogar andebol, tocar bateria, resolver problemas matemáticos, etc.), porém é frequente não serem desenvolvidos ou estimulados por este ou aquele constrangimento.

Já eu acredito que por muito bons que possamos e/ou pensamos ser numa determinada actividade (nem que seja a jogar berlinde no quintal do Tio Alfredo), há sempre por aí alguém melhor do que nós.

Andar com os pés bem assentes no chão, não deixa de ser uma medida bem prudente para evitar quedas desnecessárias.

12/02/2010

A paixão pelo jogo

Muitos são aqueles que gostam de futebol, mas poucos são os que verdadeiramente se apaixonam pelo jogo. A paixão pelo jogo traduz-se não apenas na forma de estar na modalidade, como também fora dela.

Exemplo disso, foi o que um aluno da Escola EB 2,3 de Monchique, também ele jogador da equipa Sub-13 do Juventude Desportiva Monchiquense, escreveu numa aula de Língua Portuguesa. Passo a citar:


VIVER O FUTEBOL
Nasci para a bola jogar,
O Futebol é a minha vida!
Um lindo sonho sonhado
É um golo bem marcado.

Ouço o "mister" com atenção
Para na baliza acertar,
Bate forte o coração,
Tento um bom golo marcar.

Gooolo! Gooolo!
Que bela palavra mágica!
De feliz, fico tão tolo,
Que faço figura trágica!

E se o golo festejar,
Devo sempre recordar,
Que para bem saber jogar,
Tenho de me empenhar.

Para ser bom jogador,
Devo ter habilidade,
Mas para ser de valor,
Tenho de ter humildade.


Nota: Publicado com o consentimento do autor José Mário Nunes Conceição.

03/02/2010

"Carolice" ou "chulagem"?

O clube cá da terra - JD Monchiquense - vai, arrisco-me a dizer, de "vento em pompa" no que ao futebol diz respeito. Contrariando o despovoamento que o concelho de Monchique tem vindo a sofrer, a direcção do clube e os seus colaboradores (delegados, adjuntos e treinadores) conseguiram formar, na presente época 2009/2010, seis equipas competitivas (Escolas B/Sub-10, Escolas A/Sub-11, Infantis/Sub-13, Iniciados/Sub-15, Juvenis/Sub-17 (futsal) e Séniores) e uma equipas de veteranos.



Nunca na história do clube, fundado em 14-11-1963, houve tantas crianças, jovens e adultos envolvidos no fenómeno desportivo local. Porém, como em qualquer pequena terra que se preze, surgem sempre inúmeras más línguas. De entre os rumores e os boatos que se ouvem em surdina, tal não foi o meu espanto quando me contaram que se diz que os colaboradores só estão no clube porque recebem balúrdios (entenda-se por balúrdios mensalidades a rondar os 200 Euros).

Ora, qualquer pessoa mais atenta em Monchique sabe que, infelizmente, o JDM atravessa graves dificuldades financeiras. A política da actual direcção tem sido pautada por duas linhas orientadoras: (a) reduzir o passivo e (b) apostar nos escalões de formação. É natural que o pouco dinheiro que há seja canalizado para cumprir estes intentos, embora fiquem sempre outras despesas básicas por saldar. Face a esta conjectura, não só os colaboradores não recebem há algum tempo, como as respectivas remunerações nada têm a ver com os "balúrdios" acima mencionados.

A ilação que se pode tirar destas "bocas" infundadas é que a "carolice" e a boa vontade das pessoas têm um preço a pagar e esse, indubitavelmente, é nefasto para quem não quer mais senão contribuir para a formação cívica e o desenvolvimento desportivo de todos aqueles que aprendem, evoluem e jogam no "nosso" Monchiquense.